Acima do limite, as emoções comprometem a capacidade de raciocínio,

e abaixo, a afetividade escasseia, empobrecendo a vida.

António Damásio

A vida psíquica constitui um somatório de experiências passadas e presentes percebidas e registadas de maneira peculiar e totalmente única. O campo das nossas motivações e interesses, das nossas contradições e censuras nem sempre se limita à esfera do consciente, mas, antes e sobretudo, estende-se ao inconsciente. A resultante ação do psíquico sobre o corpo expressará sempre algo de muito pessoal, ligada à história de vida individual e certamente marcada pelas injunções da dinâmica inconsciente.

Embora não seja fácil conceptualizar as emoções, estas constituem uma classe de fenómenos internos que carregam ao mesmo tempo manifestações de sinais externos (somáticos e comportamentais), pois, a palavra emoção provém do Latim “emovere”, indicando que em qualquer emoção está implícito um movimento, uma ação.

A natureza das emoções é um tema arcaico do pensamento ocidental, sendo um importante conteúdo em diferentes manifestações da cultura, da arte, da religião, da filosofia e da ciência, desde tempos imemoriais. De uma temática genuinamente filosófica, a emoção passou a ser também investigada no âmbito teórico de outros saberes, como a psicologia, a psicanálise e a biologia, a partir da segunda metade do século XIX e princípios do século XX. Nos últimos anos, o avanço das neurociências possibilitou a construção de hipóteses para a explicação das emoções, hoje sabe-se, que há uma profunda integração entre os processos emocionais, cognitivos e homeostáticos.

Propomos um momento de tripartido enlace entre uma visão evolucionista do neurocientista Paul MacLean, que em 1970 propôs a teoria do Cérebro Triuno (Reptiliano, Límbico e Neocortex), dividido em três unidades funcionais diferentes, em que cada uma dessas unidades representa um extrato evolutivo do sistema nervoso dos vertebrados. Paralelamente a teoria psicanalítica de Sigmund Freud, criadora da estrutura e dinâmica da psique que flutua entre o consciente e o inconsciente (ID, Ego e Superego), confluindo numa visão energética da estrutura Triplo Aquecedor e dos seus profundos elos unificadores nos diferentes órgãos da Medicina Chinesa. Tudo isto, mais uma vez nos mostra que as diferentes partes visualizadas através de diferentes prismas, não são mais que faces avassaladoras de um mesmo TODO.

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Num primeiro nível de estrutura de base, encontramos o 1º cérebro de MacLean, ou seja, o Complexo Reptilíano, que tem como potencial o instinto e assegura as funções básicas para a sobrevivência interna individual e da espécie, responsável por funções automáticas como a respiração, regulação da temperatura corporal, alerta para a necessidade de fornecimento de energia pela alimentação, distribuição do sono e da vigília como meio de regular os gastos energéticos e a sexualidade. Representando a biologia e a corporalidade.

O ID, estrutura psíquica Freudiana, confunde-se assim com o Complexo Reptilíano, pois vive no inconsciente, desconhece o julgamento de valores e o conceito de bem e mal, uma vez que a força do ID busca a satisfação imediata sem tomar conhecimento das circunstâncias da realidade, funcionando de acordo com o princípio do prazer e a pulsão de vida, por isso, pertencente a uma instância primitiva que é o inconsciente. Pode ser considerado o reservatório de energia psíquica do Homem.

O Aquecedor Inferior, corresponde em Medicina Chinesa à dupla órgão/víscera Rim/Bexiga que são a forma física integrante do movimento Agua, cuja energia evolutiva unifica o passado, o presente e o futuro, acompanhando todo o desenvolvimento genético e intrauterino, bem como a hereditariedade do Ser transportada durante toda a evolução. É o depósito de toda a filogenia e ontogenia, compreendendo a reserva inconsciente de toda uma inteligência inata e intuitiva em potencial, dominada pela força vital que conduz à satisfação da vida. O órgão/víscera Fígado/Vesicula Biliar correspondem ao movimento Madeira, a força gigantesca que desperta na primavera e nos dá a direção e orientação para decidir, avançar, atuar e expandir durante toda a nossa existência. A energia da Madeira promove a vida e o seu desenvolvimento, apresentando-se claramente como a antítese da morte.

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O Sistema Límbico, considerado o 2º cérebro, é o responsável pela mediação de todo o processo emocional, agindo sobre as sensações emotivas, que tem uma função informativa de experiências que podem ser sinalizadoras de possíveis ameaças à autopreservação do Ser, tendo a emoção uma função expressiva. Assim, o Sistema Límbico constitui um mecanismo integrador de informações internas e externas do passado e do presente, profundamente e intimamente relacionadas através da elaboração das atividades somáticas precisas e diferenciadas. Apresenta-se como um centro de convergência para uma via final comum de impulsos representativos dos meios externos e internos, arcando com uma pesada carga, uma vez que proporciona uma permanente adaptação do organismo às contínuas mudanças, desafios e stress do meio ambiente. O Sistema Límbico coordena as diversas funções neurovegetativas regulando o sistema simpático e parassimpático, onde o hipotálamo age sobre as diversas estruturas orgânicas, estimulando-as ou inibindo-as.

O Ego por sua vez assemelha-se ao Sistema Límbico, filtrando, por assim dizer, as ações do ID, constituíndo a segunda instância, que é o pré-consciente. O Ego serve como mediador, um facilitador da interação entre o ID e as circunstâncias do mundo externo, porque representa a razão ou a racionalidade e obedece ao princípio da realidade, ao contrário da paixão insistente e irracional do ID. É o sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigências instintivas do ID, as exigências da realidade e as ordens do Superego.

O Triplo Aquecedor Médio, corresponde ao movimento Terra, que se revela através do orgão/viscera Baço/Estomago, responsável pelos vínculos que se iniciam ainda na fase in uterus e que depois se revelam e repercutem durante toda vida na formação e expansão da natureza das relações e interligações nos mais variados ambientes. Assumindo uma posição central e de sustentação geral, fazendo depender todos os outros orgão/visceras deste movimento Terra. Apresenta-se como uma forma de amor egocentrica que determina a quantidade e qualidade dos vinculos criados promovendo uniformidade nos afetos, no sentido da serenidade e da segurança, logo buscando equilíbrio e homeostasia interna através dos elos externos. Todo o processo cognitico subjacente serve para fazer frente à necessidade de supervivência do Ego. Este movimento em insuficiência promove alterações na vinculação, verificando-se dependência e fusão, em excesso encontramos vinculações narcisicas.

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O Neocortex, correspondendo ao 3º cérebro de Maclean, adiciona o intelecto às faculdades psíquicas, permitindo transformar os sentimentos em palavras, dando origem à experiência emocional que é a capacidade de reconhecer a própria experiência, de se auto perceber e de representar de forma simbólica a experiência de vida, o que gera um novo mundo…o mundo do pensamento, da fantasia, da imaginação, dos desejos, do raciocínio e da reflexão. Este mundo interno é uma fonte de estímulos, informações e solicitações às quais o Sistema Límbico terá de se adaptar constantemente.

Assim, o Superego de Freud, tal como o Neocortex de Maclean, actua como um juíz, moderando as exigências quase exclusivamente biológicas e impulsivas do Complexo Reptiliano, atribuindo-lhes uma consciência moral e controlando as funções do Ego, sujeitando-as a uma moderação compatível com o ambiente social exterior, fazendo cumprir as leis estabelecidas, obedecendo aos tabus e às proibições extremas. Será a instância superior, ou seja, a consciência, o aspecto moral da personalidade, produto da internalização dos valores e padrões recebidos dos pais e da sociedade em que se insere, a partir da internalização das proibições, dos limites e da autoridade.

O Triplo Aquecedor Superior corresponde ao movimento Fogo e Metal que tomam forma fisíca através do par orgão/viscera Coração/Intestino Delgado, Pericardio/Triplo Aquecedor e Pulmão/Intestino Grosso. O movimento Fogo gera e controla, protege e integra, harmoniza e rejubila criativamente de forma amorosa a expressão total do Ser. Responsável pela visão inteligente, aliada a conceitos criativos e no desenvolvimento de uma comunicação consciente e simbólica, manifestadas nas relações interpessoais e intímas devido à necessidade de contato. As pessoas que experimentam a emoção Alegria revelada pela celebração da existência criam amor, que é a forma suprema da culminação máxima da energia do Fogo. Esta energia em excesso provoca agitação e inquietude. O movimento Fogo contata com a energia produzida no Coração e distribui-a equalitativamente pelo Tripo Aquecedor e Pericárdio, purificando-a através do Intestino Delgado. O Fogo é responsável pela vivência de cada uma das energias dos restantes movimentos, pois o Yin do Coração cria a compreensão e a energia Yang do Coração cria a expressão. No plano da maturidade suprema dos sentimentos, esta energia nutre e governa a consciência e a expressão sublime do amor incondicional inspirada por uma expressão divina! Enquanto o movimento Metal transmuta os vínculos, produzidos pela Terra, atribui-lhe significado e simbolismo interno, atribuindo-lhe conservação e equilibrio na profunda e dificil arte de dar e receber harmoniosamente. Promove a individualização do ser pertencendo ao todo num movimento de libertação-renovação constante do Eu através da responsabilidade, da empatia e da compaixão. O florescimento sentido do Eu possibilita a doação ao mundo.

Os três cérebros descritos, mesmo quando funcionam normalmente, apresentam ligeiras diferenças com discreto predomínio de um ou outro, ou com controlo menos rigoroso da parte do terceiro cérebro sobre os outros dois, dando origem a diversos tipos de personalidades que os indivíduos apresentam nas diferentes interações e relações que vivenciam. Por isso somos todos diferentes e únicos.

Porém, quando estas diferenças são exageradas, surgem os casos de distúrbios de personalidade ou de conduta, que em casos extremos, podem levar a estados patológicos.

De forma a concluir o pensamento integrador, mas de modo nenhum querendo classificar ou criar rótulos, que será sempre uma atitude e visão reducionista, embora que facilitadora, encontramos:

O sistema das emoções parece estar organizado em rede, onde todos os elementos e diferentes variáveis exercem papéis reguladores semelhantes entre si, uma vez que dependem da integração dos seus componentes de uma forma complexa, mas igualitária e não hierárquica.

Esta é a fase oculta do processo emocional, grande parte do processo avaliativo é inconsciente. Os estímulos chegam do mundo interno através das fantasias, dos desejos, da imaginação e da pulsão. A exteriorização desse processo emocional constitui um indício, um sinal de algo interno.

Cumpre-nos a nós, a partir desse sinal, compreender o que se passa no íntimo do indivíduo e ajudá-lo numa busca dinâmica dele próprio, a partir dos fatores desencadeantes.

Em termos práticos, compete-nos traduzir um sinal, um sintoma físico ou comportamental, como parte do processo emocional. Reconhecer-lhe a função expressiva e adaptativa.