Reside no improvável a resposta à questão

ousada cada vez que a porta do desafio é aberta.

 Apesar de as dificuldades se imporem naturalmente sobre o difícil tema ‘autoconhecimento’, é possível empreender distinta jornada investigativa a fim de extrair saberes essenciais ao ser humano, e empregá-los no dia a dia profissional. Um panorama sobre a questão, descrevendo os itens a serem abordados, individual e grupalmente, além de roteiros pré-estabelecidos, os quais configuram os procedimentos em foco, abrem as portas para a gestão de pessoas ter acesso a áreas não apenas incompreendidas, mas verdadeiramente ricas em conteúdo que pode, oportunamente, modificar o entendimento acerca das questões mais profundas dos colaboradores, as informações que se alicerçam na genética -- destaque-se o funcionamento tanto biológico quanto psíquico -- e no convívio social, podendo desencadear novo olhar e renovado planejamento dos recursos humanos. Eis alguns exemplos.

 

Estrutura especializada de autoconhecimento

Temperamento dos profissionais

A simplicidade com que as expressões ‘temperamento’, ‘personalidade’ ou ‘gênio’ são discutidas no cotidiano, não abraçam devidamente o fundo da questão, haja vista ser ignorado comumente a real influência nos comportamentos de convívio laboral, a exemplo dos modelos de liderança que tendem a se dirigir para um lado ou para o outro, a saber: (A) Modelo de liderança focado nas relações interpessoais, capaz de criar, em graus que variam em cada líder, proximidade pessoal sob a regência de sentimentos e emoções, podendo estabelecer na equipe uma atmosfera de união e irmandade; (B) Modelo de liderança focado no gerenciamento, sempre a serviço de atrair resultados através de números (financeiro, metas), da gestão da cobrança, do patrimônio e bens capitais, podendo estabelecer na equipe uma perspectiva de rendimento e sucesso profissional.

Todavia, ao observar os critérios que são empregados na hora de escolher um eventual substituto à vaga de liderança, ou por força da criação de tal oportunidade por expansão de algum crescimento, por exemplo, percebe-se rápida e automaticamente a escolha que tem por base a confiança no candidato, além de capacitação técnica, atribuindo-lhe a nova condição. Só não se leva em conta, e eis o ponto nevrálgico em mira, o tipo de temperamento existente em tal colaborador que passa a assumir a nova postura de líder, assim os riscos se elevam a uma altura inesperada, cujas decorrências vão de simples incômodos entre os membros da equipe até aos grandes e trágicos desentendimentos, e o que era estável e elogiável até então, se torna um espinhoso contratempo.

Há quem tenha trabalhado nesta direção, oferecendo ao candidato a análise de compatibilidade ao cargo de líder, e, mesmo com todos os atributos reunidos (competência técnica, honestidade, experiência), é possível recusar o convite, antevendo, através de entrevistas e testes pertinentes, a desestruturação que advirá pela ausência de traços fundamentais à liderança, permitindo-lhe prosseguir na carreira, por meio de outro acesso, de caráter mais técnico. Salvam-se o excelente profissional, retendo-lhe dentro de sua aura típica, a equipe, que não passa por desnecessários traumas de convivência, e a organização. Note-se que nem é preciso tratar sobre o treinamento que poderia preparar tal personagem, como se o mesmo fosse capaz de gerar-lhe nova estrutura psíquica de temperamento, completando magicamente a outra porção que pesarosamente lhe falta. É possível abrir tal estrada, mas requer demasiado tempo e energia no investimento, que pode levar à desmotivação das partes, sem a garantia de um resultado satisfatório ademais.

Logo, o temperamento, estrutura básica do jeito de ser humano de cada colaborador, permite aperfeiçoamentos, ou melhor, o desenvolvimento de características favoráveis de um perfil que pode ser explorado noutro (com muito sangue, suor e lágrimas), mas talvez um planejamento que contemple um melhor processo seletivo (interno, talvez até externo, conforme a necessidade) seja mais propício por sua rapidez, economia e segurança. O autoconhecimento ganha vulto e abrevia infortúnios na tentativa e erro da gestão. Trata-se, pois, do autoconhecimento especializado dentro da estrutura denominada de temperamento.

 

Autoengano na vida profissional

Evidentemente, aqui se esbarra em um obstáculo tão grande quão imperceptível, dada a sua natureza clandestina, uma estratégia notável criada pela natureza, a partir das necessidades evolutivas de adaptação e convivência, levando a um grau de aperfeiçoamento que demanda razoável reflexão se houver a proposta de identificá-lo, no que for possível, cujo objetivo é reduzir o custo cobrado por tal artimanha, quer seja, a pesada acomodação que atrasa a evolução do líder e dos liderados pela autoilusão de que já se encontram em grau (mediano) satisfatório de obtenção de resultados, usando, inclusive, a concorrência como referência e justificativa, por exemplo, nas comparações típicas. Por que cremos no que cremos, se há muitíssimo mais a ser explorado?

“O autoengano é, por natureza, uma ocorrência passiva, ou seja, fechada à atenção consciente e sujeita a uma lógica peculiar.”, nas palavras do economista brasileiro Eduardo Giannetti, e elas oferecem uma esplêndida vista sobre tal terreno movediço, e, apesar de ser uma criação natural, fruto de um longo e lento processo que se transmite através das informações genéticas, o seu uso exagerado converte-se no perdulário gasto excedente, desequilibrando a economia autorregulatória das atividades de defesa e de ataque evolutivos dentro das atividades corporativas.

Se o líder de perfil focado nas relações interpessoais entende que já cobra o suficiente os membros da equipe, e assim tenta legitimar as suas crenças por meio de explicações autoenganadas que vão do ajuste motivacional à rebeldia contraprodutiva, ele mesmo já está convencido, de boa fé, acerca de suas “verdades”, as quais poderiam ganhar maior remodelamento se o autoconhecimento sistemático estivesse em prática, ajudando a levantar o véu que encobre mais possibilidades... Por outro lado, se o líder de perfil focado no gerenciamento crê apenas no bom planejamento e na sua reta aplicação (com ajustes ocasionais, é claro, se assim o demandar), regada por cobranças tão somente, eis ai a sua religião cujo dogma impede qualquer perspectiva diferente, e ele o faz desta forma pelo profundo convencimento que se encontra enraizado na vivência que possui, só não enxerga, no entanto, que há mais terras para além do mar que julga interminável, e, portanto, dispensável de qualquer navegação, até que...

O autoengano é poderoso pelas razões mais básicas que sustentam a evolução da espécie com o uso de estratégias de sobrevivência e ajustes de toda ordem, ele é um miraculoso benefício, só que usado em demasia pela acomodação que proporciona. É claro que confrontá-lo é, além de doloroso, cansativo e, até certo ponto, frustrante, pois pode nos derrubar da gostosa rede de balanço íntimo, mesmo que nisto se estabeleça imensa benfeitoria, qual uma rica recompensa que se encontra enterrada no sítio mais improvável para aquele que ainda não pratica a autoavaliação profunda: dentro de si mesmo. É como descobrir, pouco a pouco, batalha a batalha, recursos internos, baseados em legítimas verdades pessoais, que nos fazem ver o mundo de uma forma mais robusta e pés no chão, e, decorrentemente, nos serve de apoio às construções mais sólidas sobre nós mesmos (autoconceito mais ajustado) e acerca das atividades, planos e quaisquer outras possibilidades na vida profissional, inclusive, a geração de expectativas e a comparação dos resultados, dosando melhor frustração e satisfação.

O autoconhecimento é a arqueologia capaz de identificar as evidências soterradas pelo autoengano nas cavernas mais profundas do psiquismo, e então esclarecer, reescrevendo a história através de novos e cruciais fatos do líder e de seus liderados.

 

Círculo vicioso da expectativa autoenganada

A incansável busca pelo reconhecimento obteve o status de campeã de bilheteria nos muitos cinemas organizacionais em que seu elenco dramatiza o cotidiano profissional. Muitos querem receber a fama e os holofotes, numa espécie de premiação permanente, pois um único agrado já não convence neste verdadeiro frenesi da necessidade pelo apreço alheio, e o setor de Recursos Humanos precisa se reinventar, na frequência das ondas do mar, a fim de manter a chama de seus colaboradores acesa, em parceria aos líderes que observam e reagem a este cenário contemporâneo.

É como uma roda de insatisfação a girar interminavelmente, sem qualquer parada ou modificação do status. Há significativo número de trabalhadores que se deixam levar neste movimento que compreende expectativa autoenganada, frustração, raiva e tristeza decorrentes, e tal giro se mantém, pois não se enxerga a manutenção de tal promessa, sem o fundamental autoconhecimento, uma especialidade voltada a conhecer as fantasias íntimas que são construídas a partir de autoconceitos exagerados, com base também nas atividades comuns sociais.

Desta forma, a autorrevisão é senão o único instrumento capaz de abrir a mente e lançar um pouco de luz sobre a escuridão do autodesconhecimento. Não é tarefa simples, mas certos programas organizacionais podem estender tal ajuda aos seus colaboradores, planejando com empenho atividades de treinamento que visem a promover a reflexão estratégica, o acompanhamento e a verificação dos resultados na gestão diária, em apoio às lideranças, que devem participar ativamente em nome de seu próprio progresso, e da superação a que as corporações têm direito.

O autoconhecimento especializado nas organizações pode ser uma ferramenta revolucionária sofisticada tendo em vista o momento igualmente revolucionário pelo qual passam os profissionais, com transformações sociais e psicológicas eclodindo em velocidades cada vez maiores e de forma bastante complexa. Só o ser humano pode encontrar meios para ultrapassar os impasses nos quais ele mesmo se coloca, como parte de uma adaptação evolutiva laboral (e pessoal), e se tornar mais autônomo de suas decisões e ações no imenso cenário de trabalho.