“O Coração da Loucura” é o filme que retrata a trajetória de Nise da Silveira (1905-1999), psiquiatra brasileira revolucionária, interpretada no filme pela atriz Glória Pires, que lutou na sua época pela humanização dos tratamentos na saúde mental.

A história do filme decorre em 1944, altura em que Nise vai integrar o Hospital Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Rio de Janeiro, deparando-se então com os tratamentos convencionais e agressivos adotados nos doentes com esquizofrenia, nomeadamente os eletrochoques e a lobotomia. Face à sua recusa em utilizar tais métodos, dada a violência dos mesmos, Nise é “afastada” pelo corpo clínico e colocada a dirigir o então abandonado e considerado como menor, serviço de Terapia Ocupacional.

É neste contexto que uma nova abordagem com os doentes começa a ser desenhada pela mão de Nise, uma abordagem sustentada num contacto personalizado e baseado no afeto e no respeito pela individualidade. O  acolhimento afetivo e o reconhecimento da identidade de cada uma daquelas pessoas, abre um espaço potencial para a retoma de um desenvolvimento que ficou suspenso. Ciente da importância do papel das relações afetivas nestes “clientes”, conforme ela os designava, Nise também foi uma pioneira na introdução da terapia assistida por animais, utilizando os cães como co-terapeutas. 

Em alternativas às terapias convencionais e agressivas da psiquiatria clássica, Nise introduz tratamentos através de atividades expressivas, tais como a pintura e a modelagem, que começam a ganhar destaque como meios privilegiados de acesso ao mundo interno destas pessoas. A livre expressão artística, passa a ser entendida como uma nova linguagem para a compreensão e tratamento dos clientes psicóticos, espelhando as emoções mais profundas dos mesmos. No estudo dessas imagens, Nise constatou que um dos símbolos que aparecia com maior frequência no trabalho dos doentes esquizofrénicos eram as formas circulares, parecendo existir uma contradição no aparecimento de um símbolo de unidade num funcionamento desorganizado e fragmentado como o do esquizofrénico.

Na correspondência que estabeleceu com Carl Jung a este respeito, Jung respondeu-lhe que aquelas formas circulares eram mandalas e expressariam o potencial auto-curativo da psique, isto é, as forças da psique que buscam a ordem e a unidade no psiquismo de pessoas que estão a experimentar períodos de grande confusão e desorganização mental. Essa correspondência foi o início da introdução da Psicologia Jungiana na América Latina, que se constituiu como uma das ferramentas fundamentais no desenvolvimento da obra de Nise.

Como a própria dizia, “É preciso não se contentar com a superfície”, entendendo  a  arte como manifestação do inconsciente individual e coletivo e o processo criativo como tratamento.

Os talentos artísticos extraordinários que se revelaram nestas pessoas, chamaram a atenção do mundo das artes, nomeadamente de um crítico de arte muito conhecido chamado Mário Pedrosa que denominou esta arte como Arte Virgem pelo facto destas pessoas não terem qualquer formação artística.

Em 1952, foi inaugurado o Museu de Imagens do Inconsciente, de grande importância para o estudo do processo psicótico e que ofereceu aos investigadores melhores condições para acompanhar a evolução de casos clínicos através da produção artística espontânea.

Nise ao trocar o eletrochoque pelo afeto abriu novas possibilidades para a compreensão do mundo interior do paciente esquizofrénico.

“O que melhora no atendimento é o contacto afetivo de uma pessoa com a outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito.”  Nise da Silveira