Hoje não estou bem. Há dias não tenho estado. E hoje, nesse dia estranho, me recuso a dizer que está tudo bem. Não quero estar bem. Preciso viver o luto da minha era, o luto da vida como conheci, a vida que pensava que dominaria minimamente para direcionar minha filha e viver com meu amor. Ilusões do cotidiano, tão importantes para nos mantermos sãos.

A cada dia que passa assumo meu lugar de loucura. Nessa atualidade, em que a morte nos ronda e está tudo bem, em que a miséria faz parte, “é a vida” (BOLSONARO, 2020), não quero fazer parte da horda dos sãos.

Foucault, em Vigiar e Punir, me ensinou que cada atualidade demarca o sujeito da loucura. Sujeito esse que se alinha historicamente com a transgressão, que cruza o limite. O meu já foi cruzado. Não aceito. Não aceito sorrir insanamente, burramente, paranoicamente, produtivamente... Não aceito fingir que está tudo bem e vai ficar tudo bem.

É imoral pensar que essas máscaras que nos protegem também não nos amordaçam quando as compramos, decoradas com as melhores cores para nosso vestuário. As mordaças sociais que elas representam demarcam a loucura que nós, os usuários das máscaras, estamos vestindo. São sobre nós os olhares tortos, as línguas afiadas, os julgamentos dos patrões e dos direitistas pobres que vão morrer pela produção porque Deus ajuda quem cedo madruga e está nas mãos desse mesmo Deus nos salvar (coitado de Deus)...

“Ali, ó, tá aproveitando a pandemia pra ficar em casa de maresia”... “Preguiçosa, fica tossindo na frente do patrão pra não trabalhar”... Quem são os sãos? Quem são os loucos, afinal?

Sabe, há coisas em mim que não quero vender. Não quero vender meus sorrisos em vídeos amadores, não quero maquiagem para esconder minha exaustão, não quero vender meu pouco equilíbrio para produzir. NÃO POSSO. Não posso ler o que leio, ser quem sou, fazer o que faço e me partir por tão pouco.

Nesse momento, o teatro da normalidade é pouco. As portas entreabertas dos comércios, as aulas em vídeo para “educar” para uma vida futura que desconhecemos, os caminhões frigoríficos nos fundos de hospitais enquanto gritam pela volta do AI-5 pelo bem da liberdade de expressão...

Chega. Escrevo esse texto hoje pela minha família e pelos meus amigos, pelas ligações que não atendi, pelos vídeos nos quais não apareci. Perdoem a insanidade. Perdoem o ódio das minhas palavras. Mas, trazendo Carlos Drummond de Andrade, outro louco, “meu ódio é o melhor de mim, com ele eu me salvo”. Me salvo.