No que concerne ao nosso relacionamento com os filhos, é muito importante centrarmos a atenção num ponto particular: a relação do papel dos filhos enquanto membros de uma família e enquanto alunos, com responsabilidades com o seu futuro académico / profissional.

Todos os anos passamos por aquela altura de fim de aulas ou regresso a mais um ano académico e também do retomar das actividades laborais.

Em muitos casos, com o retorno ao ano académico, o aluno vê-se mais uma vez entregue a si próprio na tentativa de fazer face a mais um ano de estudos e de trabalho a que por vezes sente efectivas dificuldades. Não me refiro apenas a um aluno que possa ter dificuldades de aprendizagem numa ou mais disciplinas e que por isso parece travar uma batalha constante entre si e as suas dificuldades académicas.

Ou Seja, o aluno muita vezes encara o novo ano lectivo como um novo período da sua vida, com muitos aspectos positivos (quem de nós nunca sentiu aquela ansiedade positiva por querer que se inicie mais um ano lectivo para que possa voltar a estar com os colegas de escola, viver novas experiências, enfim, continuar a viver!!!).

Por sua vez, os pais reiniciam muitas vezes mais um ano de entrega às suas lides laborais ou domésticas, esquecendo-se que, o simples facto de proporcionarem aos seus filhos a possibilidade de cursarem mais um ano académico, numa escola, com todas as condições logísticas e materiais que poderiam ser esperadas, não assegura, à partida, que o aluno não vá ter dificuldades na sua grande tarefa que é, e cada vez mais, ter sucesso académico, muitas vezes medido apenas por “passar de ano” e já agora, com boas notas…ah, e já agora ainda, com bom comportamento e mostrando uma conduta irrepreensível sem que seja necessário incentivar o filho a estudar e a lidar com as suas dificuldades. Se estamos a falar do ensino secundário então, muitos são os pais que dizem “ele já tem idade para ser responsável, e não deveria ser necessário mandá-lo estudar … é a sua obrigação!”

Pois é! Não é que eu veja qualquer aspecto negativo numa atitude assim, mas por vezes parece haver uma certa incongruência entre aquilo que nós pais esperamos dos nossos filhos e a forma como nos posicionamos perante a vida, e particularmente, as nossas profissões ou papéis sociais.

Alguns de nós somos efectivamente hiperexigentes connosco próprios nas nossas profissões e dedicamo-nos tanto ao nosso trabalho que o fazemos à custa de roubarmos tempo à nossa família, e em particular aos filhos. Alguns pais não percebem que dedicam demasiado tempo ao seu trabalho, à construção de uma auto- imagem de trabalhador cumpridor e superprodutivo, e deveriam compreender o porquê de o fazerem. É porque se sentem bem assim? É importante terem uma imagem social de trabalhador impecável e cujos erros são impensáveis de ocorrer? Ou será uma incapacidade de aceitar críticas das pessoas com quem convivem, e por isso empenham-se em ter um desempenho profissional irrepreensível.

Se tal se verifica em alguns de nós adultos, deveríamos questionar, na prática, tal posição de entrega completa à realização de uma profissão não é muitas vezes feita à custa de tempo, apoio, carinho e entrega, talvez o mesmo tipo de entrega, que um filho possa estar à espera por parte do seu pai ou mãe?

Há ainda outro aspecto, as exigências a que um trabalhador está exposto, não são as mesmas a que um estudante está exposto? Um adulto consegue muitas vezes encontrar motivação exterior a si para realizar uma determinada tarefa laboral, mesmo que não goste dela. Sabe que tem que a cumprir, sabe que não pode faltar, não pode chegar atrasado, etc., sob pena de poder ser despedido ou ter consequências negativas de outra ordem. E um estudante? Num sistema de ensino cada vez mais permissivo, e em que, na minha opinião, aquilo que um aluno consegue concretizar de produtivo para si depende muito mais da sua motivação interior do que das possíveis consequências que possam recair sob um potencial insucesso escolar, virtualmente inexistente nos primeiros ciclos de ensino, fará sentido utilizar a tradicional frase tantas vezes utilizada por alguns de nós pais? “Tens que passar de ano, pois esse é o teu trabalho. Eu também tenho que trabalhar, por isso, tu não fazes mais que a tua obrigação”.

Se um adulto percebe que está a ser injustiçado com a sua entidade patronal, pode reivindicar melhores condições de trabalho e a melhoria das suas regalias e garantias. E um aluno? Se não se adapta à metodologia de um determinado professor (e não culpemos o professor, não culpemos ninguém, aceitemos apenas que, se um aluno não se consegue adaptar a uma determinada exigência académica), terá a mesma liberdade que o seu pai ou mãe trabalhador pode ter em exigir condições mais favoráveis para o desempenho da sua actividade laboral?

Não quero de todo transmitir uma mensagem de desresponsabilização do aluno que não alcança resultados académicos esperados. Mas gostaria de deixar aqui uma mensagem.

Todos os estudos sérios acerca das metodologias educativas demonstram que o aluno aprende melhor quando está mais motivado para estudar, para lidar com as disciplinas que tem que cursar, para, no fundo, lidar com a realidade académica. Mas esta realidade académica não pode ser vista como uma realidade independente da realidade familiar. Se o aluno não está motivado, não deve ser punido por isso, deve procurar-se ajuda para que perceba que há várias formas de enfrentar as exigências da sua vida, e tentar motivar-se para tal.

Por isso, muitas vezes, na altura dos inícios de anos lectivos, aumenta o número de consultas com crianças e adolescentes que necessitam de apoio para ultrapassar as suas dificuldades académicas.

Hoje fala-se muito na comunidade educativa, ou seja, o aluno, os professores, a escola, o conselheiro escolar ou psicólogo, enfim, um conjunto de intervenientes num processo que cada vez menos é caracterizado por esperar simplesmente que o aluno tenha sucesso pelo simples facto de lhe ser dada a oportunidade de estar numa boa escola, com todas as condições possíveis para alcançar sucesso.

Permitam-me terminar com uma questão para todos nós pais? Já alguma vez pensaram que quando se pergunta a um filho o que sente pelos seus pais, o que acha que eles são para si, raramente, se não mesmo nunca, uma criança ou adolescente responde qualquer coisa como, “gosto muito dele, pai ou mãe, pois é uma pessoa muito responsável, cumpre com os seus deveres laborais, não falta ao trabalho, é elogiado pelos seus chefes, tem um bom ordenado”, etc.

Enfim, a imagem que um filho normalmente retém de um pai, seja ele ainda vivo, ou tenha já falecido, é muito mais sustentado no plano dos valores, dos sentimentos, da presença emocional. A forma como a maioria dos filhos responde a esta pergunta, é qualquer coisa como, “gosto muito do meu pai, ou da minha mãe, pois ajuda-me, é compreensivo, é carinhoso, está lá sempre quando eu mais preciso…”, enfim penso que se percebe a ideia. Quando a pergunta é feita aos pais, muitas vezes, a resposta dos pais centra-se no seu desempenho académico (dos filhos). Não só me parece que não seja justo para o filho, como tenho a certeza, essa discordância de expectativas entre pais e filhos parece-me um dos principais factores de conflito e forte sofrimento familiar.

Neste processo de ajuda familiar, gostaria de deixar aqui uma pergunta a cada um dos pais e mães que me estejam a ler neste momento: se alguém perguntar ao seu filho que imagem tem mais presente dos pais, o que acha que responderia? E a si, se lhe perguntarem, que imagem tem do seu filho? O que responderia?

Se puder, hoje, quando estiver com os seus filhos, dê-lhes carinho e mimo, pois a vida já é suficientemente dura, e uma criança ou adolescente tem tempo de sobra para lidar com as suas dificuldades académicas.

A vida é assim, obriga-nos a crescer. Até lá, e por enquanto, sugiro apenas isto, mime muito o seu filho, pois quando ele for adulto, provavelmente, o mimo desinteressado de alguém que de facto gosta de nós, já não será assim tão frequente. E claro, com o tempo, deixemos os nossos filhos crescer, e entender o verdadeiro significado da palavra amar.