Na deslocação diária para o meu trabalho desloco-me com alguma frequência para a zona do Hospital de São João no Porto. Por estes dias, a camioneta que me levou até à zona deixou-me na paragem onde se situa o Instituto Português de Oncologia (IPO). Era hora de almoço. Saio na paragem, mesmo em frente ao instituto e eis que vejo, no parque de estacionamento interior do IPO, no local onde existem umas mesas e uns bancos de pedra, um conjunto de três pessoas que merendavam sandes, batatas fritas e sumos. Não falavam nem se olhavam. Aquelas três faces estavam duras como pedras, tal como os bancos e a mesa onde estavam a comer. O que comiam servia apenas para empurrar a angústia que se gerava no peito e subia até à zona da garganta. E o sumo que bebiam de vez em quando contribuía também para dissolver esse nó que ia crescendo com o passar dos minutos e das horas.

Perante tal cenário, parei um pouco para observar. Sei que esta atitude pode ser interpretada como uma ousadia da minha parte e um desrespeito para com os familiares e os doentes oncológicos que ali estão internados. Se assim fui interpretado, peço desde já as minhas sinceras desculpas. Mas o meu coração sangrava-me e forçava-me a olhar para aquele rapaz de dezassete/dezoito anos, para a mulher de meia-idade (a sua mãe?) e para a senhora mais velha (a sua avó?) que ali estavam naquele piquenique, talvez o mais triste e diferente de todos os que já tiveram na vida. Não acho justo, simplesmente não acho justo, que a vida seja assim tão cruel, deixando-nos assim, vazios de um momento para o outro, sem que nada possamos fazer para alterar o rumo das coisas. Mas acredito que o Mundo possa ser um dia um lugar justo e - deixem-me lá ser menino, adolescente e utópico - um lugar sem doenças, sem sofrimento e sem miséria humana.

Já tinha passado a zona do IPO e encontrava-me no Metro rumo à paragem Pólo Universitário. Esse pequeno percurso foi o suficiente para organizar o que sentia cá dentro e escrever estas linhas. O meu coração, esse, ainda sangra e chora muito. E, não sei porquê, tenho vontade de gritar para que todos oiçam que aquela família não merendava nem fazia nenhum piquenique, muito menos esperava a eventual morte de alguém querido lá dentro do IPO: fazia, isso sim, um verdadeiro banquete, esses almoços e jantares dos Reis e das Rainhas que se juntavam para comer à grande e à francesa, onde abundava a comida, a bebida e, sobretudo, o regozijo. O rapaz é o Rei, vejo-lhe a coroa na cabeça e as duas mulheres as rainhas, lá estão elas a arranjar todas aperaltadas as suas coroas carregadas de diamantes. E, enquanto penso nisto, vem-me à cabeça, sem saber bem porquê, um poema de Cesário Verde que diz assim na parte final: “Naquele piquenique de burguesas/Houve uma coisa simplesmente bela/E que, sem ter história nem grandezas/Em todo o caso dava uma aguarela”. E que aguarela não davam este Rei e as duas Rainhas que eu vi há pouco no parque do IPO a almoçar e a tentar combater a tristeza que lhes corroía a alma por dentro.