«Uma família influencia outra, depois outra, depois dez, cem, mil, e assim toda a sociedade melhora.»  Dalai Lama

Excerto do seu livro: ‘Conselhos do Coração’.

 

Hoje em dia, em muitas realidades familiares, as crianças perdem espaço no tempo dos pais e ocupam uma grande parte do seu tempo em espaços distantes das suas figuras mais significativas (mesmo que sob o mesmo teto). Da parte dos progenitores há uma maior preocupação com o bom desenvolvimento dos filhos, comparativamente com outras épocas, mas faltam as ações que permitem o cumprimento da vontade de ajudarem os filhos a serem melhores adultos. Em parte, é um reflexo de uma sociedade que se foca excessivamente ou exclusivamente no sucesso profissional e individual, transportando essa obsessão para todos os contextos e para todas as relações.

As crianças necessitam de espaço no dia-a-dia dos pais, não valendo a expressão "dou-te tudo e faço tudo por ti" quando apenas se referem às regalias materiais e aos investimentos nos «prolongamentos formais» após ou antes do período escolar. O espaço que as crianças necessitam está bem perto do coração das pessoas, espelhado em gestos de ternura, de afeto, de risadas, brincadeiras e de tantos outros componentes apetecíveis. Tão simples como "agora, estou aqui só para ti". Sem pressa, sem tecnologias nas mãos e com vontade de "perder tempo" com as crianças.

Ouvimos, muitas vezes, a seguinte expressão: «O tempo voa!». Focando na temática central deste texto (a relação espácio-temporal entre pais e filhos), de facto, se não pensarmos, enquanto pais, nas mudanças necessárias para mudar o presente carregado de tarefas (muitas delas «ocas») e desligado dos mais novos, o tempo vai voar e no futuro, mais distante, o sentimento de culpa pesará, as relações entre pais e filhos poderão apresentar sintomas preocupantes e o desenvolvimento dos filhos pode deparar-se com constrangimentos significativos face às respostas que eles necessitam de dar num mundo muito exigente e complexo.

Farei um apelo ao «Sindicato das Crianças» para lutar afincadamente pelo direito à atenção dos pais, principalmente numa época em que se acusam as crianças de défice de atenção… Os filhos necessitam de estar com os pais numa conjugação de tempo e espaço de dedicação real e autêntica. Este último tópico – autenticidade – é um ingrediente essencial. «Tem que ser!» ou «Quero que seja!» são dois pontos de vista bem diferentes e que geram relações distintas. Enquanto pais, devemos ser menos mecânicos e mais naturais, cuja naturalidade esteja assente numa vontade profunda de estar mais perto dos filhos, com uma forte presença física, psicológica e emocional. Melhores pensamentos e melhores práticas. Evite expressões, mesmo que para si próprio(a), «deixa-me lá estar uns minutinhos com ele(a) porque ele(a) precisa». Substitua esse pensamento por um mais edificante: «Meu filho, agora, este tempo é só nosso… vamos vivê-lo como só nós sabemos!» (e desligue-se de tudo o resto). Introduza esta rotina de forma séria e continuada e garanto-lhe que, na conjugação com muitos outros fatores essenciais (que não são alvo deste texto), viverá mais sorridente, por estar feliz e por ver quem mais ama muito feliz consigo.

Num mundo de consumismo, de materialidade, tendemos a estar sempre à procura de objetos que satisfaçam as nossas crianças. Não ponho em causa a utilidade dos mesmos, pois é inegável a importância da interação das crianças com os objetos. Contudo, não podemos esquecer da interação humana. Esta é absolutamente estruturante no desenvolvimento humano, principalmente na fase inicial da vida e em especial com os pais e/ou as figuras mais significativas. Hoje em dia, com grande frequência, mesmo nas relações entre pais e filhos, desprestigiamos a grandeza de olhar olhos nos olhos (e piscar um deles, como gesto arrojado de aproximação), de dar as mãos (para celebrar, apoiar ou deixar-se estar), de sentir a essência que cada um transporta (sua ou emprestada), de escutar as maravilhas do dia-a-dia de um e de outro e também dos momentos mais aborrecidos (sejam novidades ou repetições) e ainda de perguntar, com uma voz serena e doce, «como te sentes?» e de dizer «gosto tanto de ti!».

Para finalizar, deixo-lhe algumas questões que pode fazer a si próprio(a). Quais foram as palavras do seu filho no seu ouvido quando hoje o deixou na escola? Qual o significado do olhar do seu filho após essas palavras? Qual a frase mais brilhante que o seu filho verbalizou ontem? Qual foi o sorriso mais contagiante do seu filho no último fim-de-semana? Recorda-se dos contornos do mesmo? Lembra-se do último sorriso do seu filho que simbolizou uma alegria imensa? Qual foi a última personagem que o seu filho inventou ou retratou? Lembra-se da música nova que ele aprendeu na escola e que cantou para si, com direito a coreografia? Recorda-se do beijo, carregado de ternura, que o seu filho lhe deu hoje, agregado a um «gosto de ti» abrilhantado no olhar? Encontre outras perguntas e respostas no seu quotidiano comum. Pense em vários episódios dos dias que passa com o seu filho, partilhe com ele e recrie-os em família. Mas, acima de tudo, crie esses momentos! Depois, será mais fácil encontrá-los na linha do tempo. É preferível (e mais saudável) vivê-los e depois ter dificuldades em selecioná-los, pois a marca da (boa) presença já lá ficou. Pense bem e aja ainda melhor!