“Comprar gato por lebre”

“Separar o trigo do joio”

 

Lá estava… de bota roçando o artelho e de joanete saliente.

Pescoço curto e a adiposidade acrescida no busto e nas ancas, camuflada por um arraialeiro, esvoaçante e comprido vestido, que a fazia sentir confiante e, delirantemente, poderosa.

Lá estava… Maria Augusta.

Maria Augusta era uma académica que, dentro dos limites da sua profissão, tinha a consideração institucional desejada, devida à sua estratégica obediência ao formalismo imposto, o que lhe conferia uma confiança legítima e protagonizada por uma certa despreocupação, causada por uma certeza cega, impedindo a manutenção da útil crítica.

Mas mais não era do que o habitual esperado e comum da maioria dos seus colegas e do geral integrante da vida académica, tida como profissional.

Salvo sejam as excepções, tudo era, sobretudo, um papel a desempenhar num invólucro plastificado de estatuto.

Prestígio, fama, admiração e conquistas invejáveis, eram as intenções nas fundações de Maria Augusta.

Não sabia como iria encontrar isso no meio profissional em que estava, mas sabia que iria descobrir.

Não sendo limitada de todo, no que se refere ao ajustamento avaliativo que, de sua conveniência, passou a manter apurado, aprendeu que não podia, ali na universidade, reger-se exclusivamente pelas peças que compunham a sua habitual roupagem.

Aqui, pensava, porque reparava, exigia-se um outro disfarce.

Confiante na sua perícia em dissimulação, sabia que tinha que integrar no seu traje regional a farda que decora o academismo.

Insaciavelmente receptiva ao disfarce, facilmente percebeu quais os itinerários psicológicos a que tinha que recorrer e que tinha que percorrer.

A isto se obrigou, sem esforço, Maria Augusta.

Posicionar-se de modo mais polido e menos exuberante, nas suas exigências mais caprichosas, dentro do emprego, passou a ser a norma.

Era uma condição.

Percebeu que exuberância excessiva e pouco polimento, no manifesto, facilmente se transformariam em obstáculos à sua integração profissional.

Evitar a catástrofe de se cumprir a fatal hipótese de exclusão, tornou-se prioridade na sua vida.

O percurso é selectivo e competitivo, pensava, mas não é difícil.

É um percurso que está travestido de impedimentos e de penoso trabalho, mas isto é apenas uma camuflagem, uma encenação intrínseca que dava jeito, cogitava.

Só tinha que se vestir de rigor, em académica.

Muita parra e pouca uva foi o aforisma que viu escarrapachado naquele meio.

Avaliou e interiorizou, passando a ser, também, a sua invisível arma de precisão.

Nestes esquemas era ela já catedrática.

Complicar o óbvio (!) - o que era isso para Maria Augusta, sorria entre dentes.

Tinha-lhe apanhado o jeito.

Controlando a impulsividade, sem estoirar (está de se ver!), aprendeu a planificar.

Foi-lhe de extrema utilidade.

Adquiriu novas ferramentas de manipulação.

Mais severas, perigosas e desumanas, sem dúvida, mas eficazes.

Mais civilizadas, dizia para si e para seu gozo, acabando por se divertir.

Estava integrada.

A partir daqui o trabalho seria o de cumprir as metas e em tempos mínimos.

Era uma escada que, diziam, como que a demonstrar avisos e alertar os perigos de eventuais criações de novos costumes. Tanto se sobe como se desce!

Essa seria a escada que Maria Augusta tinha a garantia de apenas subir.

E rápido!

Tudo estava incutido na teatralização.

O discurso (como convinha) era o do rigor, da ciência, das noites não dormidas, do estudo intenso, das infindas leituras, enfim da dura vida da seriedade académica.

A fotografia tinha que ser a da conveniência.

Isto é para lactentes, pensava Maria Augusta.

Nada que lhe tirasse o sono.

Estava em casa.

Já achava graça ao ar de superioridade que era obrigatório exibir por tanta alma, alterado no imediato, como um simples trambolhão dos saltos, quando se cruzavam, inevitavelmente, com alguém de respeito e admiração acrescidos.

A acta do reconhecimento estava repleta de candidaturas, todas elas floreadas com as mais altas condecorações e atributos vulgares no reportório académico.

O que era raro passou a ser banal, de tanto badalado mérito.

Cada currículo era um manancial de louvores e de acessibilidades conseguidas à luz das cabeças adeusadas.

A confiança estava instalada.

Tinha percebido o esquema e pouco faltaria para também dar cartas.

Era apenas um cenário de, mais ou menos, disfarçada guerra.

O que era isso para ela, quando aos três anos já ia para o infantário toda esborratada de maquilhagem, posta pela mãe.

Disfarces? Ensinar disfarces a Maria Augusta!?

Como se ela não fosse filha da sua mãe…!