Índice

Introdução

Conhecimento da realidade do abuso e agressão sexuais

Definições e concepções do abuso sexual

Factores associados à presença do abuso sexual
 

1ª Parte
   1. Variações das percepções de abuso sexual e consequente comportamento abusivo
        As diferenças nas percepções do abuso sexual
        A Teoria da Socialização do Papel Sexual
        A Hipótese da Atribuição Defensiva
        A "má comunicação" entre os sexos
        Outras variáveis que afectam as percepções de abuso sexual
 
2ª Parte
   2. Diferenças e semelhanças entre os sexos
        As diferenças de género na sexualidade: algumas teorias distintas
        Os papéis de género e as atitudes
        A Teoria do Estatuto Sexual e a “Cultura de Violação"
3ª Parte
        A “Token Resistance”
        Expressividade e Instrumentalidade
        Abuso psicológico e abuso físico
        As agressões directa e indirecta
 
 4ª Parte
   3. Estilos de vinculação e a agressão e abuso nas relações

   4. Poder, domínio e conflito nas relações
 

5ª Parte
Instrumentos utilizados na investigação neste domínio

Reflexões finais

Bibliografia

6ª Parte

 

FACTORES ASSOCIADOS À PRESENÇA DO ABUSO SEXUAL

A existência de uma situação de abuso sexual depende, por um lado, de uma interacção entre dois indivíduos com cariz sexual, um dos quais deverá ter comportamentos considerados pelo outro como abusivos (agressivos ou não). Assim, é óbvio que se pode falar em abuso apenas quando alguém o percepciona como tal, seja este alguém o indivíduo abusado ou um apreciador externo. Conclui-se, igualmente, que a existência ou ausência de abuso não poderá nunca ser vista de forma absolutista (para uma pessoa poderá ser, enquanto que para outra não).

Desta forma, faz todo o sentido começarmos por reflectir sobre a variação das percepções das situações de abuso, bem como os factores e circunstâncias que envolvem e afectam esta variação (ponto 1.) e só posteriormente se apresentarem diferenças comportamentais entre os sexos (ponto 2.). Obviamente, estes dois grandes pontos são interdependentes.

 

1. Variações das percepções de abuso sexual e consequente comportamento abusivo

As diferenças nas percepções do abuso sexual

Segundo as diversas investigações e dados disponíveis, o grupo de maior risco para o abuso e agressão sexuais parece ser o das mulheres nos ensinos secundário e universitário (Hutchinson et al., 1994). No entanto, colocam-se, aqui, (tal como em todo este trabalho), duas questões importantes: a escassez de informação comparativa disponível relativamente aos diferentes grupos; e as diferenças gerais nas percepções de abuso/agressão afectam, concerteza, os vários índices de relato1 entre grupos (ibid.) e entre sexos. Por outro lado, é de referir que, tal como Koss et al. (1987; cit. in Hutchinson et al., 1994) observou, as admissões masculinas de agressão sexual são inferiores ao número de vitimizações relatadas pelas mulheres (54% das mulheres relataram terem sido alvo de abuso sexual, enquanto que apenas 25% dos homens relataram terem efectuado quaisquer actos sexualmente agressivos ou abusivos).

Poderão estas diferenças nos auto-relatos serem atribuídas à forma como homens e mulheres categorizam o comportamento sexualmente agressivo? De facto, a investigação indica que homens e mulheres poderão ter diferentes percepções das interacções homem-mulher. Por exemplo, muitos autores (por ex., Luginbuhl & Mullin, 1981; cit. in Hutchinson et al., 1994) sugeriram que os homens poderão percepcionar experiências sexuais potencialmente relevantes de forma diferente da das mulheres. Outros estudos (Goodchilds & Zellman, 1984; ibid.) revelaram que os homens apresentam uma maior tendência para interpretar o comportamento amistoso como um sinal sexual em relações sociais ou laborais2 (Saal, 1986; ibid.). Leigh (1989; ibid.) detectou, também, que os homens viam o prazer sexual, a conquista, e o alívio da tensão sexual como razões legítimas para ter sexo, enquanto que as mulheres consideravam a proximidade emocional a razão mais válida.

Contudo, estas diferenças de género não são invariavelmente apoiadas por todos os autores nesta área de investigação. Por exemplo, Popen e Segal (1988; ibid.) observaram que os homens apresentam uma maior tendência para aceitar e desenvolver agressão sexual em situações de dating3 do que as mulheres. Contudo, Plass e Gessner (1983; ibid.) discordaram, defendendo que as mulheres apresentam uma maior aceitação dessa mesma agressão em dating. Da mesma forma, Lane e Gwartney-Gibbs (1985; ibid.) observaram que os homens aprovam formas mais extremas de agressão sexual em dating do que as mulheres; por sua vez, Sigelman, Berry, e Wiles (1984; ibid.) detectaram a tendência oposta entre os sexos.

Face a estas diferenças, Hutchinson et al. (1994) desenvolveu um estudo onde apresentou diversos cenários (ver anexo 1) abusivos e não abusivos a alunos universitários e do secundário de ambos os sexos. Neste trabalho não se encontraram diferenças ao nível das percepções de agressão/abuso masculina ao nível dos estudantes universitários e ambos os sexos. Foi observada, contudo, uma diferença significativa entre estudantes do secundário masculinos e femininos: os rapazes percepcionaram significativamente menos a ocorrência de abuso sexual nos cenários fornecidos do que as suas colegas. No global, observou-se também uma tendência em todos os sujeitos do sexo masculino para sub-relatarem o seu comportamento sexualmente abusivo.

O estudo de Hutchinson et al. permite fazer uma ponte para o item seguinte, já que alguns destes resultados poderão, até certo ponto, ser compreendidos através das duas grelhas de leitura seguintes: a teoria da socialização do papel sexual (nomeadamente ver o abuso/a agressão sexual como um comportamento/papel sexual aceitável), e a hipótese da atribuição defensiva (os estudantes do secundário masculinos ver-se-ão a si próprios como mais semelhantes ao abusador e, consequentemente, culpabilizam a vítima através de uma menor referência geral a abuso/agressão no sentido de evitarem reconhecerem-se a si mesmos como abusadores potenciais).

 

A Teoria da Socialização do Papel Sexual

A Teoria de Socialização do Papel Sexual (bem como a Hipótese da Atribuição Defensiva) constitui uma tentativa de desenvolver uma boa base teórica que permita compreender as percepções de homens e mulheres relativamente ao comportamento sexualmente agressivo e abusivo.

A Teoria da Socialização do Papel Sexual afirma que "as prescrições sociais relativas a um comportamento sexual inapropriado diferem entre homens e mulheres" (Tetreault & Barnett, 1987; cit. in Hutchinson et al., 1994). Ainda, esta teoria adianta que estas diferenças se tornarão mais profundas do ensino secundário para a universidade, à medida que homens e mulheres vão sendo progressivamente socializados (através das normas sociais em vigor, das expectativas dominantes, etc.) quanto aos seus papéis sexuais. Segundo esta teoria, os homens são socializados no sentido de valorizarem mais o sexo que as mulheres. Também Ehrhardt & Wasserheit (1991; cit. in DeSouza & Hutz, 1996) referem a influência, se não definição, que o comportamento sexual sofre da parte de papéis sexuais e valores culturais; assim, e através da socialização, homens e mulheres desenvolvem diferenças na comunicação e nos estilos de resolução de conflito, onde os homens se apresentam mais predispostos para usar força física e as mulheres para usar persuasão verbal (Maccoby, 1988; cit. in DeSouza & Hutz, 1996).

Uma conclusão que resultou desta linha de investigação foi de que não só os "actos de sexualidade masculina" são reforçados nos homens através do processo de socialização, mas também alguns métodos de alcançar satisfação sexual, sendo esses métodos frequentemente coercivos. Por exemplo, Poppen & Segal (1988; ibid.) defendem que os comportamentos desajustados ou abusivos são reflexo da “continuação do comportamento tradicional dependente dos papéis sexuais de dating e de interacção social”.

 

A Hipótese da Atribuição Defensiva

Esta hipótese apoia que as pessoas ajustam as atribuições de culpa para evitarem terem que reconhecer ou tomar consciência de acontecimentos negativos que são potencialmente ameaçadores para a pessoa. Por exemplo, se um observador percebe uma semelhança com uma vítima de um acontecimento traumatizante (uma violação, por exemplo), a tendência para culpabilizar essa vítima será menor. De modo oposto, se uma vítima é considerada diferente pelo observador a tendência para a culpablização irá aumentar. Alguns dados empíricos têm apoiado que os observadores usam este mecanismo "auto-protector" para evitarem lidar com a possibilidade de esses acontecimentos (que são percebidos de forma negativa) poderem acontecer consigo (Hutchinson et al., 1994).

Segundo a hipótese da atribuição defensiva, os homens vêem-se a si próprios como diferentes da abusada e mais relacionados com o abusador, em virtude de serem do mesmo género. A culpabilização da vítima desvia os observadores masculinos do reconhecimento de que, também eles, poderiam tornar-se abusadores potenciais. Num estudo recente, McCaul et al. (1990; cit. in Hutchinson et al., 1994) apresentaram nove cenários de violação e pediram aos sujeitos para definirem a culpa em cada incidente. De facto, os homens culpabilizaram mais a vítima do que as mulheres. Os homens mostraram também uma tendência para sentiram que as mulheres descritas nos cenários obtiveram prazer sexual na agressão sexual (Hutchinson et al., 1994).

 

A "má comunicação" entre os sexos

Com base na investigação observada pode-se afirmar que a presença de uma “má comunicação” entre sexos é um dos factores que poderão contribuir para a coerção e violência sexuais e, afinal para o abuso sexual.

No foro desta "má comunicação" Shotland (1992; cit. in DeSouza & Hutz, 1996) apresenta-nos o conceito de resistência, isto é, a comunicação de relutância4 quando um parceiro está desejoso de e pretende realmente envolver-se em comportamentos sexuais.

Se pensarmos no que já foi apresentado acerca dos guiões sexuais masculino e feminino facilmente compreendemos a observação de Muehlenhard (1988; cit. in DeSouza & Hutz, 1996) de que é suposto um homem ignorar a recusa da mulher porque espera que esta resista no início, mesmo quando esta está interessada em sexo.

De facto, Shotland salienta que a resistência, enquanto sinal de má comunicação, promove o abuso sexual e a violação. Por exemplo, numa amostra de estudantes norte-americanos do sexo masculino, 10% dos sujeitos achavam que as mulheres queriam que os homens fosse violentos durante o sexo e 50% acreditavam que as mulheres algumas vezes diziam “não”5 ao sexo quando realmente queriam dizer “sim” (Mills & Granoff, 1992; ibid.). Aproximadamente um terço da amostra admitiu continuar a ter avanços sexuais para com as mulheres após estas terem dito não. Noutro estudo, agora com estudantes universitários, 37% dos homens e 21% das mulheres concordaram que, quando uma mulher dizia “não” relativamente a ter relações, queria dizer “talvez” ou mesmo “sim” (Holcomb, Holcomb, Sonday, & Williams, 1991; ibid.).

O uso da resistência por mulheres universitárias parece ser bastante comum (Shotland & Hunter, 1995). Logo, as mulheres (e os homens) poderão mostrar relutância quando isso for vantajoso para si. Por exemplo, as mulheres poderão evidenciar resistência ao sexo por motivos morais, manipulativos ou práticos (Muehlenhard & Hollabaugh, 1988).

No âmbito do estudo de DeSouza e Hutz, estudantes de ambas as nacionalidades Norte-Americana e Brasileira receberam um de dois cenários hipotéticos (anexo 2), destinados a avaliar os estereótipos culturais das recusas femininas aos avanços sexuais, e nos quais o elemento feminino ora dizia não a todos os avanços sexuais do homem (resistência consistente) ou dizia não inicialmente e depois mostrava prazer (resistência inconsistente). Foi dedicada atenção às percepções dos sujeitos relativamente à intenção sexual do elemento feminino, colocando-se a questão “Acha que ela quer mesmo ter relações sexuais, apesar de dizer que não?”.

Em primeiro lugar, é de referir que, aparentemente, os 2 cenários demostraram provocar diferentes interpretações: a resistência consistente mostrava falta de interesse sexual da parte da mulher ("ela não gostou do homem", "ele era feio", etc.); a resistência inconsistente indicava percepções de que a mulher queria maior intimidade sexual apesar de dizer não (quatro participantes consideraram que ela estava a gostar das carícias e, em última análise, queria ter relações sexuais com o homem; outro disse que a mulher estava a praticar jogos; outro participante ainda, salientou que a mulher só queria ter mais tempo para decidir mas que iria eventualmente consentir6. (DeSouza e Hutz, 1996).

Contudo, parece existir também uma componente cultural na forma como o uso e a percepção da resistência se operam. Esta conclusão é retirada quando comparamos os resultados de Shotland no contexto norte-americano com aqueles obtidos no contexto brasileiro: por exemplo, observou-se que a exigências nos papéis sexuais (ser passiva, permissiva, cumpridora) se mostravam bastante significativos para as estudantes universitárias brasileiras, além destas se mostrarem significativamente menos erotofílicas do que as mulheres andróginas (DeSouza & Hutz, 1995; cit. in DeSouza & Hutz, 1996), resultados estes. De Souza & Hutz especularam que para algumas mulheres a actividade sexual parecia existir primariamente para o prazer do homem.

Consequentemente, uma das principais conclusões que se podem tirar é que Americanos e Brasileiros têm diferentes conceptualizações acerca de como um encontro heterossexual deve decorrer. Os Brasileiros apresentam um esquema de relação sexual consensual bastante mais forte do que os americanos, e estes (especialmente no contexto da resistência consistente) apresentam um esquema encontro-violação mais forte que os Brasileiros (DeSouza e Hutz, 1996).

A explicação que DeSouza e cols. (1992; 1995; ibid.) dão a este facto é a de que o Brasil é uma sociedade mais erotizada que os Estados Unidos, onde as questões sexuais aparecem mais provavelmente em interacções entre sexos. No sentido de arranjar explicações para os resultados, DeSouza e Hutz (1995; ibid.) defendem que, numa sociedade em rápida mudança como o Brasil, a resistência ao sexo poderá ser simplesmente uma forma aceitável das mulheres Brasileiras iniciarem e/ou negociarem o contacto sexual com os homens sem serem etiquetadas de "fáceis". Por sua vez, o esquema encontro-violação frequente nos sujeitos americanos poderá estar relacionado com uma maior informação e consciência nas universidades Norte-Americanas acerca da violação (DeSouza e Hutz, 1996).

Ainda, com base em ambas as cotações das histórias e as cotações do interesse sexual masculino, pode-se dizer que os Brasileiros consideraram que o homem deveria desistir dos avanços (pelo menos temporariamente) quando o "não" parecesse querer dizer "não" (ibidem). Nos Americanos, a recusa consistente nos avanços sexuais, a par da demonstração de ausência de prazer, criava a percepção de que o elemento feminino seria "abusado" de forma mais agressiva pelo homem. Isto faz sentido porque seria desnecessário forçar a mulher a ter relações sexuais se ela já mostrasse interesse quanto a estas (ibidem).

Por último, e independentemente do país, em comparação com as mulheres, os homens percepcionaram o elemento feminino como estando mais interessado em ter relações sexuais, especialmente na condição de resistência inconsistente. Estes dados apoiam a teoria de Muehlenhard (1988; cit. in DeSouza & Hutz, 1996) de que os homens tendem a sobrestimar o interesse das mulheres relativamente à actividade sexual.

 

Outras variáveis que afectam as percepções de abuso sexual

A atractividade física está bem documentada enquanto determinante da forma como um indivíduo é percebido e tratado nas suas relações sociais e pessoais. Esta influência estende-se para além do apelo estético óbvio da beleza física. As pessoas que são vistas como "belas" ou "bonitas" são tipicamente creditadas como tendo muitas características pessoais positivas (Dion, Berscheid, & Walster, 1972; cit. in Cartar et al., 1996). Ainda, as pessoas atraentes ou bonitas recebem mais reforço social (Barocas & Karoly, 1972) e são vistas como mais persuasivas (Chaiken, 1979; ibid.).

Struckman-Johnson & Struckman-Johnson (1994; ibid.) tiveram oportunidade de se dedicar ao estudo das reacções masculinas à coerção sexual, tendo os seus estudos revelado que os homens são influenciados pela atractividade física percebida da mulher iniciadora. Com baixos níveis de coerção, os homens anteciparam sentirem agrado nos avanços sexuais de qualquer mulher atraente e desagrado com mulheres não atraentes. Mesmo em reacção a avanços sexualmente mais coercivos, e embora esperando sentir desagrado no geral, os homens prevêem experienciar menos desprazer quanto mais atraente for a mulher. Esta realidade mantém-se verdadeira mesmo quando a mulher segura uma arma e ameaça o homem com esta!7

Uma vez que se detectou que a atracção física influencia a gostabilidade para ambos os sexos é legítimo esperar encontrar um viés de beleza nas mulheres, tal como foi demonstrado para os homens por Struckman-Johnson (1994; ibid.). A beleza masculina "amenizará" a reacção negativa de uma mulher aos avanços sexuais de um homem.

Não só a atractividade do abusador constitui uma variável determinante na percepção de uma situação de abuso sexual: também o nível de coerção empregue mostrou influenciar essas percepções.

Segundo (Struckman-Johnson & Struckman-Johnson, 1991; cit. in Cartar et al., 1996) as estratégias sexualmente coercivas apresentam-se num continuum que vai desde a pressão verbal persistente, passando pela estimulação sexual, e até ao uso de força física. Homens e mulheres podem ser tanto utilizadores quanto alvos dessas estratégias nas relações, sejam estas casuais ou prolongadas. Não obstante, apesar da tendência crescente no sentido da igualdade sexual entre homens e mulheres, continuam a ser as mulheres as vítimas principais destas tácticas. Embora os guiões sexuais tradicionais (nos quais os homens são os iniciadores da actividade sexual e as mulheres desempenham um papel de restrição) continuem a caracterizar frequentemente as relações heterossexuais, a maior parte das mulheres já se desviou ocasionalmente do seu papel tradicional de restrição, reagindo positivamente às aproximações sexuais (O´Sullivan & Byers, 1992; ibid.).

O estudo de Struckman-Johnson & Struckman-Johnson (1993), dedicado à compreensão das reacções de homens e mulheres ao contacto sexual coercivo, indicou que os géneros diferem nas respostas aos vários níveis de coerção usados nos avanços sexuais: enquanto que os homens não esperavam experienciar quase nenhuns efeitos negativos em resposta a receber um toque sexual gentil ou coercivo da parte de uma mulher recém-conhecida, as mulheres anteciparam efeitos negativos fortes como resultado de ambos os dois tipos de aproximação da parte de um recém-conhecido do sexo oposto. Contudo, e mais concretamente, ficou demonstrado que as mulheres tendem a reagir menos negativamente a níveis baixos de coerção.

Globalmente, os resultados de Cartar et al. (1996) são consonantes com os de Struckman-Johnson & Struckman-Johnson: as mulheres anteciparam uma resposta mais positiva a avanços sexuais da parte de um recém-conhecido masculino que usasse baixos níveis de coerção do que se este usasse níveis altos; e as suas reacções, tal como previsto, mostraram-se também mais positivas em resposta a um iniciador atraente do que um não atraente.

Contudo, Cartar e cols. vieram enriquecer a discussão desta problemática, apresentando novos dados mais específicos (apesar do seu estudo se ter dedicado apenas ao sexo feminino). Assim, e apesar das mulheres terem indicado que serem o alvo de um acto coercivo as afectaria negativamente no geral, constatou-se que os seus sentimentos, contudo, se mostravam mais neutros quando aquelas anteciparam ser tocadas gentilmente ou beijadas por um recém-conhecido masculino. Trata-se de um resultado que é contrário aos dados que indicam que as mulheres reagem muito negativamente a quase todas as formas de coerção sexual, desde o beijar até ao acariciar (Struckman-Johnson & Struckman-Johnson, 1993; cit. in Cartar et al., 1996).

Em particular, observou-se que, com baixos níveis de coerção, a atractividade do iniciador redefinia o encontro "sexualmente coercivo". Isto foi observado claramente nas avaliações femininas de quão lisonjeadas se sentiriam pelos avanços sexuais do outro. Em reacção a níveis baixos e médios de coerção as mulheres anteciparam sentirem-se mais lisonjeadas pelos avanços de um sujeito atraente do que aqueles feitos por um não atraente. Adicionalmente, e independentemente da quantidade de coerção usada, as mulheres consideravam as acções sexualmente coercivas de um homem atraente como tendo um efeito menos negativo e sendo socialmente mais aceitáveis do que de um homem não atraente.

As causas deste viés de beleza não foram clarificadas mas os resultados apontaram para a importância da lisonja quando uma mulher experiencia um avanço sexual. Desta forma, pode-se especular que as atenções de um homem atraente que emprega baixos níveis de coerção são, para muitas mulheres, lisongeadoras, conduzindo-as a interpretar o acontecimento de uma forma menos negativa. Descortinar os processos cognitivos sociais envolvidos é uma tarefa para futuras investigações (Cartar et al., 1996).

O uso de altos níveis de coerção afecta as percepções dos outros atributos do sujeito. Os resultados obtidos por Cartar e cols. mostram que o uso de da coerção sexual pode mudar a perspectiva da mulher acerca da atractividade, uma vez que, com altos níveis de coerção, a distinção entre atraente e não atraente se apresentava pouco nítida (as mulheres viam, simultaneamente, os homens fisicamente atraentes e não atraentes como não atraentes.

Concluindo, observa-se que a atractividade de um abusador e o nível de coerção usado por este afectam a percepção da situação de abuso por parte da vítima. Conclui-se, igualmente, que existem semelhanças e diferenças de género na forma como essas mesmas atractividade e coerção alteram a forma como a pessoa percebe os avanços sexualmente coercivos (Cartar et al., 1996; Struckman-Johnson & Struckman-Johnson, 1991, 1994; cit. in Cartar et al., 1996).

 

Notas

  1. Com particular ênfase para a grande quantidade de auto-relatos contraditórios (Hutchinson et al., 1994).
  2. Alguns autores desenvolveram este ponto, nomeadamente com conceitos como as “sexual misperceptions” (Stockdale, 1993); a “resistência consistente/inconsistente“ (DeSouza & Hutz, 1996); a “cultura de violação” (Semonsky e Rosenfeld, 1994); e a “token resistance” (Muehlenhard e Hollabaugh, 1988); entre outros.
  3. Por dating deve-se entender toda a etapa durante a qual os dois elementos da díade se encontram informalmente para se conhecerem e explorarem a possibilidade de uma relação mais ou menos romântica e sexualizada. Neste sentido, o dating não é equivalente ao termo português namorar, pelo que se torna difícil descortinar uma tradução fiel a este significado. Consequentemente, o termo dating será usado na sua forma original.
  4. Este autor defende que a comunicação de relutância acontece principalmente nas mulheres.
  5. Consultar o item deste trabalho dedicado à “token resistance”
  6. Foi desenvolvida, a partir dos dados, uma taxonomia para codificar as respostas dos participantes à questão aberta "O que acontecerá a seguir?", podendo as várias categorias ser consultadas no anexo 2.
  7. Estas respostas também poderão ter a ver com as fantasias masculinas, e com a dificuldade dos homens imaginarem esta situação como passível de acontecer na realidade (já que as investigações assentam na apresentação de casos hipotéticos aos sujeitos).