1) INTRODUÇÃO

1.1) Infância, alguns aspectos e considerações históricas

Não podemos compreender o homem, sem primeiro entender a criança. Não podemos compreendê-la, realmente, sem conhecê-la em seu primeiro ano de vida. Podemos compreendê-la melhor nessa fase quando tivermos estudado o feto e seu desenvolvimento. A fim de entender a ordem e o curso do desenvolvimento pré-natal, devemos conhecer algo sobre os mecanismos da hereditariedade. Tudo isso significa que é muito útil ter uma visão longitudinal do problema. Observar o adulto maduro, em toda a sua complexidade e tentar deslindar a trama de sua vida parece uma tarefa muito difícil. Simplifica enormemente o problema, iniciar quando o indivíduo se acha ainda nos seus primeiros estágios de vida, quando as tendências estão aparecendo e os padrões de comportamento se formando e solidificando numa rede neuronal. Só assim conseguiremos ter uma melhor compreensão e um discernimento mais profundo do indivíduo maduro. O homem que ouviu uma história desde o começo está numa posição muito melhor para julgar o significado e a importância do fim.

Com a vulgarização do conceito de evolução, de Charles Darwin, o homem veio a se interessar pelas suas origens biológicas e pela sua genealogia. Esse interêsse foi centralizado nas origens filogenéticas do homem. Partindo do trabalho de Gregor Mendel, sobre hereditariedade, em 1860, e o reconhecimento de sua importância, em 1900, o interêsse se transferiu para o problema das origens ontogenéticas do homem. As simples "leis da hereditariedade" de Mendel vieram a ser amplamente conhecidas e, sem crítica, resolveu-se aplicá-las a todas as características humanas. Pensou-se que a maior parte dos caracteres físicos, a inteligência e muitos aspectos da personalidade agissem como simples caracteres mendelianos unitários na sua transmissão de pais a filhos. Esta crença estimulou um interêsse em movimentos eugenéticos que se propuseram a executar o melhoramento da raça através da esterilização dos incapazes e do encorajamento do casamento entre membros superiores da sociedade. Muitos grupos de pessoas se organizaram para promover tais programas. Julgou-se que a debilidade mental, a pobreza, o crime e a imoralidade pudessem ser atribuídos, em grande parte, a uma herança má. Vários estudos sobre a genealogia das famílias foram publicados e pareciam dar considerável apoio a esse conceito geral.

De 1900 a aproximadamente 1920, houve um período no qual o papel da hereditariedade das populações foi superenfatizado. A fixidez e a certeza da determinação hereditária superestimadas e as contribuições ambientais à inteligência, à personalidade, à moral e ao crime foram ignoradas ou subestimadas. Um dos fatos fundamentais da estatística - que a correlação não prova a origem - foi esquecido. Que certos traços acompanhem a genealogia da família não significa que eles sejam obrigatoriamente herdados geneticamente. Há uma "herança social" envolvida na transmissão de muitas coisas de geração a geração e é fácil confundir seus efeitos com os da herança biológica.

A partir das décadas de 1920 e 1930 apresentou-se uma reação à aplicação sem crítica dos simples conceitos mendelianos todas as características humanas e à conseqüente desconsideração da importância dos fatores ambientais. Os geneticistas extremados foram acusados de serem mecanicistas na sua forma de se referirem ao assunto, deterministas na sua filosofia e acientíficos nos seus métodos.

Hoje em dia, estamos numa espécie de período intermediário no qual muito do partidarismo violento, que caracterizou as discussões das décadas de 20 e 30, desapareceu. Não estamos agora empenhados em tentar determinar, maniqueistamente se um traço particular é devido à hereditariedade ou ao meio, mas quais são as contribuições relativas da hereditariedade e do meio para certo traço e os limites da variação que podem ser esperados graças às mudanças em cada um deles ou em ambos.

É importante que se reconheça a realidade das diferenças inatas, quando elas realmente existem. Se existem de fato diferenças inatas em potencial no setor intelectual, é supérfluo, improfícuo e mesmo ademocrático tratar as pessoas como se as diferenças não existissem. Não há nada mais injusto do que dispersar o mesmo tratamento a pessoas diferentes. Apresentar o mesmo programa educacional a todas as crianças, sem respeitar o nível mental ou as suas experiências anteriores, é cacetear os bem dotados com o que é evidente e dar experiências sem expressão àqueles de menor capacidade. Se estamos dispostos a atender a todas as pessoas do mesmo modo, fornecendo-lhes sapatos, por exemplo, não podemos atingir nosso objetivo fabricando todos num tamanho único.

É importante sabermos algo sobre os limites estabelecidos pelos fatores hereditários, a fim de que se possa tirar o máximo de vantagem das oportunidades ambientais, desenvolvendo, qualquer que seja o potencial que as pessoas possuam.