“A poesia sensibiliza qualquer ser humano. É a fala da alma, do sentimento. E precisa ser cultivada.”

                                      Afonso Romano de Sant’Ana

Mesmo sabendo da importância da poesia na vida dos seres humanos como mostra acima Afonso Romano, muitas escolas esqueceram-na, principalmente nas séries iniciais, dando mais espaços, entre aspas,   para coisas mais importantes e mais sérias, como também para textos em prosa, privando os alunos dessa “experiência inigualável”, conforme caracteriza Maria Helena Zancan Frantz (1998, p. 80)

Neste artigo, enfatiza-se a necessidade de educadores,  principalmente nas séries  inicias, pois o aluno só cria hábito se for iniciada desde de muito cedo, trabalharem com poesia na sala de aula ou fora dela.

O objetivo não é transformar os discentes em grandes escritores de poemas, até porque precisa-se ter dom para esta arte, mas sim transformá-los em leitores aptos a interpretar e compreender o que o poeta quis transmitir  em meio aos versos, além de propor que os educandos não percam a poesia que nasce neles desde quando as mães cantavam cantigas de ninar para que dormissem e depois quando brincavam de cantigas de roda, adivinhas, trava línguas etc..

Com esse objetivo, proponho alternativas de trabalhos com poesia e didáticas para implantação tanto no Ensino Fundamental como para o Ensino Médio baseadas nas idéias dos escritores relacionados no parágrafo abaixo.

Vários autores vêm pesquisando as questões da leitura e de trabalhos de poesias em sala de aula como Pinheiro (2002), Micheletti (2001), Frantz (1997), Cunha (1986) e investigam as dificuldades que os alunos  possuem de interpretar estes textos,  não só pela falta do conhecimento prévio, mas também pelo pouco  contato  que eles têm com a poesia.

 

METODOLOGIA

Atualmente, a prática da leitura de poesia está um pouco esquecida nas escolas. Isso ocorre devido ao pouco contato, desde os primórdios de sua formação, dos educadores de Língua Materna.

“Está claro que a personalidade do professor e particularmente, seus hábitos de leitura são importantíssimos para desenvolver os interesses e hábitos de leitura nas crianças, sua própria educação também contribui de forma essencial para a influência que ele exerce.” (Banberger, 1986)

Sem trair o escritor estudado, posso afirmar que se o professor não tiver um hábito de ler poemas e não se sensibilizar ao  ler uma poesia, dificilmente conseguirá despertar esse interesse em seus alunos como afirma Cunha (1986, p. 95):

“... se o professor não se sensibilizar com o poema, dificilmente conseguirá emocionar seus alunos.”

Sabidos de que a poesia é um dos gêneros literários mais distantes da sala de aula, é preciso descobrir formas de familiarizar e de aproximar as crianças e os jovens da poesia. E essa forma de familiarização e aproximação deve ser feita com parcimônia  e através de um planejamento para evitar as várias afirmações de que os poemas são de difíceis interpretações e entendimento.

Pinheiro (2002, p.23)  afirma que “... a leitura do texto poético tem peculiaridades e carece, portanto, de mais cuidados do que o texto me prosa.”

Assim a poesia não é de difícil interpretação, apenas necessita de mais cuidado e atenção para que ocorra um entendimento da mesma. A aprendizagem da interpretação da poesia compreende  o desenvolvimento de coordenar conhecimentos dos vários sentidos que um texto poético proporciona.

Uma forma para melhorar  a aprendizagem é a aproximação constante da poesia, como também a utilização do conhecimento prévio. O conhecimento prévio engloba o conhecimento lingüístico, que abrange desde o conhecimento sobre pronunciar o português, passando pelo conhecimento de vocabulário e regras da língua, chegando até o conhecimento sobre o uso da língua. O conhecimento do texto, que se refere as noções e conceitos sobre o texto, e, por último, o conhecimento de mundo, que é adquirido  informalmente através das experiências, do convívio numa sociedade, cuja ativação, no momento oportuno, é também essencial à compreensão de um poema.

Se estes conhecimentos não forem respeitados,  o entendimento e a compreensão do poema pode realmente ficar prejudicada, e assim, como foi dito anteriormente,  de difícil interpretação.

Como exemplo do que foi exposto no parágrafo anterior, coloco excerto do poema “Balada do amor através das idades”, de Carlos Drummond de Andrade (Cinco Estrelas, 2001, p. 26).

“Eu te gosto,  você me gosta 

desde tempos imemoriais.

Eu era grego, você troiana

Troiana mas não Helena.

Saí do cavalo de pau

Para matar seu irmão.

Matei, brigamos, morremos.

                 (...)

Mas depois de mil peripécias,

Eu, herói da Paramount,

Te abraço, beijo e casamos.

           

A compreensão do poema acima pode ficar comprometida se o leitor não tiver um dos conhecimentos acima citado. A poesia de Drummond exige do discente um bom conhecimento de mundo e da história para que ele entenda a poesia, pois nela é citado, de certa forma, a Guerra de Tróia, os costumes romanos como também expõe o nome de um dos mais poderosos estúdios de Hoolywood, dando referência aos finais felizes dos filmes.

Para amenizar os problemas do distanciamento, de interpretação e de compreensão poética, é necessário que o professor compreenda que o ato de interpretar um poesia não pode ficar restrito a sua forma  de apresentação sobre uma página, ou seja,  como ocorre  a disposição das palavras, dos versos, das rimas e das estrofes, e nem somente pelos questionamentos apresentados nas atividades  de interpretação propostas pelos livros didáticos, pois as perguntas são impressionistas. Assim afirma Micheletti (2001, p. 22):

“Freqüentemente a interpretação textual dadas nos livros e materiais afins  tem um caráter ‘impressionista’, ou seja,  o autor das questões propostas ou dos comentários, registram as suas intuições, as suas impressões sobre o texto.”

É necessário ressaltar que o professor deve partir de uma leitura poética do mundo, fazendo da poesia motivo de apreciação lúdica e de motivação para a produção de intertextualidade ( relação existente entre textos diversos, da mesma natureza ou de naturezas diferentes e entre o texto e contexto) e de muitas outras formas de criar com seriedade, mas brincando com palavras.

Segundo Elias José (2003, p. 11) , “vivemos rodeados de poesia”, ou seja, poesia é tudo que nos cerca e que nos emociona quando tocamos, ouvimos ou provamos, poesia é a nossa inspiração para viver a vida.

Conforme Elias José (2003, p. 101), “ser poeta é um dom que exige talento especial. Brincar de poesia é uma possibilidade aberta  a todos.”. Então, se todos podemos brincar de poesia, por que não trabalharmos a poesia de forma lúdica?

Assim proponho atividades que oportunizem momentos lúdicos aos alunos, tendo em vista exercícios de imaginação, de fantasia e de criatividade e ao mesmo tempo mostrar a vida de uma forma mais poética, com maior liberdade para construir seu conhecimento.

Todas as estratégias capazes de aguçar a sensibilidade da criança e do adolescente para a poesia são válidas. É interessante para isso, que a poesia seja freqüentemente trabalhada para que ocorra um interesse por ela.

Um dos processos para o educador iniciar este trabalho, é ele fazer uma sondagem para descobrir os temas de maior interesse dos alunos, proporcionando uma maior  participação. Este levantamento pode ser de forma direta, através de pequenas fichas ou ouvindo e anotando as  temáticas preferidas dos alunos. Outro método é descobrir os filmes, os programas de rádios e de televisão que mais gostam. Isso é necessário para o professor saber que tipo de poesia pode levar para a sala de aula. Vale ressaltar que cada sala tem um gosto diferente. No entanto não se pode prender-se somente aos temas escolhidos pelos discentes. A variedade e a novidade também são métodos eficazes para a aprendizagem.

Faz-se necessário, antes de iniciar as atividades poéticas, preparar um ambiente adequado,  principalmente nas séries  iniciais, para que os alunos sintam-se a vontade para recitar e interpretar os textos poéticos. Além de uma biblioteca agradável, ventilada, espaçosa e com um acervo bem variado para que os estudantes possam escolher livremente na prateleira o livro que quiser.

Trabalhar com poesia em pares é muito interessante. Este trabalho é realizado de duas maneiras: primeiro, através da leitura da poesia, depois são propostas as atividades interpretativas, nada de questões objetivas, já que cada pessoa interpreta um texto de forma diferente, mas de maneira coerente.As duplas conversam sobre o texto, analisam as possibilidades possíveis e escrevem o que foi apreendido.

É através das diferenças individuais que a troca de experiências vai sendo edificada, como também  a partir da reflexão e da construção social do conhecimento sustentada pela interação dos indivíduos envolvidos. Essa interação entre os sujeitos é fundamental para o desenvolvimento pessoal e social, pois ela busca transformar a realidade de cada sujeito, mediante um sistema de trocas.

É proveitoso ressaltar também que construir um cantinho para fixar vários tipos de poesia é um método eficaz para o incentivo da leitura e interpretação poética, pois quanto mais se lê, mais se aprende e cria o hábito da leitura não só de poesia como de outros tipos de textos.  Pinheiro (2002, p. 26) afirma que:

“Improvisar um mural, onde os alunos, durante uma semana, um mês, ou o ano todo colocam os versos de que mais gostam (...) de qualquer época ou autor, são procedimentos que vão criando  um ambiente (...)  em que o prazer de lê-la passa a tomar forma.”

Não satisfeita ainda com as metodologias apresentadas, proponho mais alguns métodos que são incentivadores para a prática da leitura de poesia, como o momento poético, a poesia e as datas comemorativas e a apresentação da poesia em forma de dança, desenho ou interpretação teatral.

O primeiro, momento poético, é um artifício aplicado em sala de aula, em que os estudantes, dispostos de forma bem a vontade, sentados no chão ou em almofadões, se a escola possuir, uma música suave ao fundo, recitam poesias de preferência pessoal, ligadas, de preferência ao momento literário estudado, buscando, junto aos colegas, descobrir a mensagem transmitida pelo autor da poesia. O segundo, a poesia  e as datas comemorativas, apesar de ser bastante criticada, também é uma forma proveitosa  de aprender a gostar e interpretar a poesia. Como é o caso do dia 07 de Setembro em que os brasileiros mostram seu patriotismo comemorando a independência do Brasil. O mestre pode trabalhar  a poesia de Gonçalves Dias, “Canção do Exílio” ,  fazendo primeiramente uma leitura crítica, levando os discentes a observar a poesia e fazer um paralelo da época em que a canção  foi feita e se a terra natal (Brasil) hoje é tão perfeita como apresenta Gonçalves Dias em sua poesia.

Trabalhar a poesia ligada as datas comemorativas só se torna enfadonho,  pouco proveitoso, sem criatividade e método empobrecido, quando  a poesia só é lembrada nestas datas.

O último método citado neste artigo, é a apresentação da poesia em forma de dança, desenho ou interpretação teatral. Um exemplo do primeiro, a dança pode ser  representada pela poesia “A Bailarina”,  de Cecília Meireles, em que as crianças ou adolescentes podem formar um grupo de dança, todas vestidas de bailarina, para interpretar corporalmente a poesia abaixo que deve ser recitada por um outro estudante. Não é obrigatório o professor trabalhar com esta poesia, ela pode ser substituída por outra, tudo depende do docente ou dos alunos.

“Esta menina

tão pequenina

quer ser bailarina.

 

Não conhece nem dó nem ré

Mas sabe ficar na ponta do pé.

 

Não conhece nem mi nem fá

Mas inclina o corpo para cá e para lá.

 

Não conhece nem lá nem si

Mas fecha os olhos e sorrir.

 

Roda, roda, roda com os bracinhos no ar

E nem fica tonta nem sai do lugar.

 

Põe no cabelo uma estrela e um véu

E diz que caiu do céu.

 

Esta menina

tão pequenina

quer ser bailarina.

 

Mas depois esquece todas as danças,

E também quer dormir como as outras crianças.

 

No caso do desenho, ótimo método para se trabalhar tanto nas aulas de Língua Portuguesa como nas de Artes. Os alunos em grupo tentam interpretar a poesia lida através do desenho, para depois apresentar aos colegas de sala para também ser analisada por eles. Depois os desenhos podem ser colocados ao lado da poesia referente a cada um e exposto em um mural em toda a escola ou só na sala de aula.

O “Soneto”, de Álvares de Azevedo, pode ser um exemplo para ser apresentado em forma de teatro lido. O narrador representa o eu lírico, lendo a poesia enquanto uma aluna representa a mulher recitada nos versos.

“ Pálida, à luz da lâmpada sombria,

Sobre o leito de flores reclinada,

Como a lua por noite embalsamada,

Entre as nuvens do amor ela dormia!

 

Era a virgem do mar! Na escuma fria.

Pela maré das águas embaladas,

Era um anjo entre nuvens d’alvorada

Que em sonhos se balançava e se esquecia!

 

Era mais bela! O seio palpitando...

Negros olhos as pálpebras abrindo...

Formas nuas no leito resvalando...

 

Não te rias de mim, meu anjo lindo!

Por ti -  as noites eu velei chorando;

Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!”

Estas aulas anteriormente citadas são bem lúdicas. Os alunos aprendem em grupo,  de forma bem participativa, a interpretar e compreender as poesias  tendo contato com as idéias dos amigos de sala.

As poesias também podem ser trabalhadas como ajuda para produções de textos, como é o caso das poesias de Manuel Bandeira, grande escritor do Modernismo brasileiro, “O Bicho” ( retrata a desigualdade social), “O Poema tirado de uma notícia de jornal (incentiva a produção de uma narração relatando o cotidiano  humilde das pessoas desprestigiadas socialmente) e para finalizar, tem-se “Irene Preta” (retrata o preconceito racial).

Este trabalho exige que o aluno descubra qual o tema apresentado na poesia, para depois escrever, de acordo com o gênero exigido, o texto.

A poesia pode ser trabalhada não só nas aulas de Língua Portuguesa, mas também nas aulas de História, Geografia e outras como é o caso da poesia “A Rosa de Hiroxima”, de Vinícius de Moraes, que retrata o triste acontecimento da explosão da bomba atômica em Hiroxima.

“Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroxima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor, sem perfume

Sem rosa sem nada

Esta poesia, como foi dito acima, pode ser trabalhada numa aula de história, que o professor, através dos versos, pode explicar todo o conteúdo desse aterrorizante acontecimento. Pode explicar,  por exemplo, por que o poema se chama  A Rosa de Hiroxima, como também explicar que os escritores modernistas  transplantavam o momento vivido para as poesias, como é o caso de Vinícius.

 

CONCLUSÃO

Os professores devem trabalhar poesias e textos poéticos com seus alunos pois estes vêm sendo indicados como um dos meios mais eficazes   para o desenvolvimento das habilidades de percepção sensorial da criança e do adolescente, do senso estético e de suas competências leitoras e, conseqüentemente, simbólicas.

A interação com a poesia é uma das responsáveis pelo desenvolvimento pleno da capacidade lingüística  da criança e do adolescente, através do acesso e da familiaridade com a linguagem conotativa, e refinamento da sensibilidade para a compreensão de si própria e do mundo, o que faz deste tipo de linguagem uma ponte imprescindível entre o indivíduo e a vida.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Emília; ANTÔNIO, Severino; FERREIRA, Mauro; LEITE, Ricardo. Novas Palavras: Literatura Gramática, Redação e Leitura. São Paulo: FTD, 1997 – Coleção Novas Palavras, V.2, p. 60. 

CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil: Teoria & Prática. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1986.

FRANTZ, Maria Helena Zancan. O Ensino da Literatura nas séries iniciais. 2ª ed. Ijuí: Unijuí, 1997.

JOSÉ, Elias. A poesia pede passagem: um guia para levar a poesia às escolas.  São Paulo: Paulus, 2003.

In: MACHADO, Ana Maria. Cinco estrelas. Literatura em minha casa.  V.1. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

In: MICHELETTI, Guaraciaba (Coord.) Leitura e Construção do real: o lugar da poesia e da ficção.  2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. (coleção aprender e ensinar com textos, v. 4)

In: PINHEIRO, Helder; BANBERGER, Richard. Poesia na sala de aula. 2ª ed., João Pessoa: Idéia, 2002.