Eis aqui um eixo de difícil funcionamento: indivíduo-comunidade. Podemos tratar essa questão com rigor, ao mesmo tempo em que ela demanda naturalidade e sutil contato. Se, por um lado caminhamos pela via individual, empregamos em demasia a solitude em detrimento do convívio comum. Se, por outro, nos misturamos coletivamente, perdendo parte da identidade, exclui-se a contribuição singular. São extremos encontrados em nossa compreensão a respeito de ser e agir.

O fenômeno da massificação é largamente descrito por Le Bon (1954), quando afirma que o sujeito coletivo surge como resultado de um comportamento irracional, e, o indivíduo isolado é aquele que pode exercer a racionalidade. Posteriormente, Freud (1974), descreve os comportamentos de massa, comparando-os ao neurótico e à criança. Apesar de algumas diferenças conceituais, ele acaba por endossar as idéias de Gustav Le Bon.

Nesta ótica de massificação encontramos questões prejudiciais ao desenvolvimento, seja individual; com a falta de sinergia, ou coletivo, tendo em vista a ausência de ganhos conforme veremos mais adiante. Grande exemplo disso são as instituições e os princípios do ensino, através de sua postura com relação à participação de cada pessoa na comunidade.

A construção do conhecimento no modelo bancário, criticada há tempos por Paulo Freire (1977), por sua função limitante já provocou reflexões em épocas anteriores. Rousseau (1992), no século dezoito, em seu trabalho “O Emílio”, dizia claramente sobre as intenções da sociedade, em “treinar” suas crianças para um dia delas se servir, tornando a aprendizagem, um instrumento limitador.

Conforme Bee (1997), outro grande estudioso da construção do conhecimento foi Jean Piaget, ao estudar os processos de inteligência e a evolução em cada faixa etária. Esses estudos alavancaram novas explorações no campo da Psicologia e Pedagogia, fomentando ponderações a respeito dos processos de aquisição do saber.

Na mesma época de Piaget, na Rússia, quem desenvolvia estudos nessa área era Vygotsky (1998), que se preocupou com o funcionamento do desenvolvimento humano, a partir de um processo sócio-histórico. Ele afirmou que o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, em virtude de se constituir e formar conhecimento por meio de relações intra e interpessoais.

Posteriormente, a argentina Emilia Ferreiro e a espanhola Ana Teberosky (1999), trouxeram ao meio educacional nova teoria, cujo aprendizado se dá através da forma construtivista. Nesta concepção, consideraram a criança e sua capacidade de pensar, colocando-a como agente na construção do conhecimento, levando-se em conta o ambiente cultural, em contraposição ao modelo educacional existente.

Nos últimos séculos houve uma forte reflexão acerca de como o conhecimento é adquirido pelo ser humano. Os vários pensadores envolvidos nestas pesquisas indicaram diferentes caminhos pelos quais atravessa o aluno quando em contato com a aprendizagem. Foram considerados aspectos orgânicos, psíquicos, sociais e a relação entre eles. Contudo, cabe refletir, ainda mais, a respeito da relação indivíduo-comunidade, inserida na esfera da construção do conhecimento.

A formação do saber ocorre através da individualidade interna, aliada ao meio e não na massificação. Na descrição de Carvalho (2003), cabe lembrar do grego Sócrates, quando argumentava acerca da construção do conhecimento, tendo em seu cerne, a idéia de que esse processo acontece individualmente. Seu protesto solitário era contra o consenso estabelecido, contrariando as crenças e hábitos mentais sustentados como válidos por pessoas que simbolizavam a máxima expressão daquela época. A verdade pode estar longe da maioria. Daí a contribuição desse filósofo, ao apresentar e fazer uso da dialética, que levava as crenças a um sério questionamento, por meio de contradições.

Formamos em nosso psiquismo as idéias que servirão de suporte para a nossa prática de vida. Entretanto, de forma inconsciente, quando queremos acreditar em alguma coisa, forçamos a convivência de idéias incoerentes por variadas necessidades psicológicas, na busca por satisfação e a evitação de desprazer. Na esfera grupal podemos nos valer do poder da massa, onde o auto-engano coletivo é ainda mais eficiente do que o individual. É como descreve Carvalho (2003): “(...) você recebe o reforço de seus semelhantes e é protegido pela idéia de que, se erra, não erra sozinho, e de que tantos juntos não poderiam errar de maneira alguma”.

Em função dessas contradições em nós encontradas, faz-se necessária a constante reflexão, que revisa as nossas crenças e nos remete à lógica. Nesta dinâmica, podemos estar melhor presentes com o meio e o conhecimento.

Contribuições para a reflexão acerca do indivíduo, comunidade e o conhecimento já existem. Pois bem, é hora de sermos autores e exercer maior consciência e vontade para provocar mais reflexões. O educador que estimula e busca extrair o conhecimento de seu aluno, a partir da prática habitual é sábio porque influencia o ato do desenvolvimento no ser humano.

O alcance de nossas vistas deve ser exercitado sempre, sem nunca esquecer que estamos sujeitos a cair na armadilha de retornar aos padrões já aprendidos. A atenção é ferramenta crucial, pois que os modelos tradicionais nos atraem aos seus propósitos, ao criar conforto quanto aos gastos energéticos de nossas capacidades, além de acomodar as nossas ansiedades ante a constante necessidade de se deparar com o novo e as mudanças.

Este exercício de suporte qualitativo na educação é fundamental enquanto competência no perfil de liderança. Siqueira (2003), afirma que deve ser papel do educador-líder propiciar ao aluno o conhecimento e o estímulo para o autodesenvolvimento. Extrair o conhecimento individual em conjunto a comunidade que o rodeia e ser agente transformador. Fazer parte, sobremaneira, na construção dos fatos sociais e conjugar a tríade pensar-ser-agir.

A pesquisa feita com cuidado, atenção e profundidade requer uma reflexão por parte do estudioso, para que não se torne apenas um punhado de conhecimento desconectado da realidade social. Mas, a profundidade diz respeito ao quanto desejamos, de verdade, nos “purificar”, das cristalizadas crenças, do auto-conhecimento que pretendemos desenvolver, da disponibilidade interna em elaborar formas de aprendizagem e relacionamento com o outro. São uma boa empresa tais objetivos, eles podem mudar favoravelmente os nossos pontos de vista, viabilizando um amadurecimento necessário para o crescimento de muitos.

Vale lembrar que precisamos “morrer” para dar lugar a um novo nascimento dentro de nós. A semente da morte está contida na vida e faz dela cenário para mudanças todo o tempo. Paulo de Tarso, sabiamente dizia aos que com ele compartilhavam do conhecimento e amor que pregava a respeito de Jesus Cristo: “Eu morro a cada dia” (I Coríntios 15:31). Compreender esta transformação dá suporte e nos leva ao hábito de aprender diariamente.

Algumas reflexões podem centrar-se na construção individual do conhecimento com interação do meio e o hábito de mudanças e forte presença de solidariedade. Essa forma crítica de pensar nos coloca em condição de harmonizar o desenvolvimento individual e global através da comunidade. Os resultados acerca do saber têm uma qualidade inigualável e estimula, ainda mais, a sua produção, haja vista a motivação que se dá quando enxergamos a parte (Eu) influenciando e sendo influenciado pelo todo (Nós).

 

Referências

BEE, Helen. O ciclo vital. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1997.

CARVALHO, Olavo. Pensamento e atualidade de Aristóteles. Internet, disponível em: www.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris1_1.htm. Acessada em 22/10/2003.

FERREIRO, Emilia e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Editora Artmed, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de janeiro: editora Paz e Terra, 1977.

FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974.

LE BON, Gustav. Psicologia das multidões. Rio de Janeiro: F. Briguet & Cia. Editores, 1954.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1992.

SIQUEIRA, Armando Correa Neto. A função do educador frente à construção do conhecimento científico. Internet, disponível em: www.psicopedagogia.com.br. Acessada em 23/10/03.

VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A formação social da mente. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1998.