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Como o racionalismo explica a linguagem

2007
vicente.martins@uol.com.br
Discentes da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Estado do Ceará, Brasil

Trabalho desenvolvido sob a orientação do Professor Vicente Martins (Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral, Estado do Ceará, Brasil)

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Como o racionalismo explica a linguagem O défice da atenção na epilepsia

A linguagem da criança sempre provocou inúmeras questões e especulações entre os estudiosos do assunto e até mesmo àqueles que, por algum momento, se debateram com a seguinte pergunta: Como a criança adquire a linguagem? O fato de as crianças por volta de três anos serem capazes de fazerem uso produtivo de suas línguas intriga estudiosos a questionarem como essas línguas são aprendidas, ou melhor ainda, como elas são adquiridas.

Na tentativa de elucidar essa questão, várias teorias foram lançadas, são as chamadas teorias de aquisição da linguagem. Nesse artigo, nos ocuparemos em apresentar a hipótese inatista que, por sua vez, pertence à teoria racionalista da aquisição da linguagem, assim como as contribuições das teses inatistas para os estudos de aquisição e desenvolvimento da linguagem.

 

A teoria racionalista consiste em uma teoria atual sobre a aquisição da linguagem que assume, juntamente com as experiências, a existência de uma capacidade nata do ser humano, de adquirir a linguagem e desenvolvê-la.

O racionalismo admite a existência da mente no processo de aquisição, que a relação entre a linguagem e mente pressupõe a existência de uma capacidade inata. Os racionalistas entendiam que para se compreender o processo da linguagem era preciso fazer um estudo levando em conta a mente, explorar o pensamento, portanto, eles faziam parte de uma concepção essencialmente mentalista, diferentemente dos empiristas que não consideravam a mente como componente fundamental para justificar o processo de aquisição, apesar de não se negar sua existência.

Para os racionalistas o processo de aquisição não se dá apenas pelas variáveis externas (experiência) como acreditam os empiristas (behaviaristas) mas que o indivíduo tem participação nesse processo. Na tentativa de explicar como se dar essa participação, inúmeras pesquisas foram levantadas e tomaram impulso originando  o aparecimento do inatismo, defendido por Noam Chomsky. No entanto, embora essa capacidade nata para muitos seja de comum acordo, muito se discute sobre a sua imagem.

 

A partir dos trabalhos do lingüista Noam Chomsky, os estudos sobre os processos de aquisição da linguagem tomaram novos impulsos, em reação recorrente behaviarista que dominava as teorias de aprendizagem. Segundo os behaviaristas, a aprendizagem da linguagem se daria pela exposição ao meio (experiências) e decorrente de mecanismos comportamentais através do reforço, estímulo e resposta. Esse pensamento é essencialmente comportamentalista oriundo da tradição norte americana ganhou forças a partir da primeira guerra mundial que impulsionava estudiosos a compreender o comportamento lingüístico, reduzindo a mecanismo e estímulo-resposta, imitação e reforço.

Chomsky fez duras críticas a abordagem da diarista de Skinner, tanto da linguagem quanto de sua aprendizagem, como empobrecida para considerar a complexidade do sistema e os fatos de aquisição, ela adota uma postura inatista do processo por meio do qual o ser humano adquire a linguagem.  Em 1957, publicou Syntatic Structures, esse trabalho apresentava os fundamentos da Gramática Gerativa Transformacional. Logo depois, em 1959, publica a sua famosa resenha do livro Verbal Behaviour do comportamentalista Skinner, que, como dissemos, fez críticas ao posicionamento, operaciolismo presentes tanto no programa comportamentalista como no programa estruturalista defendendo a idéia de que a ciência da linguagem deve partir de uma teoria forte propondo, portanto uma abordagem racionalista e dedutiva para a ciência.

Sabendo que o ser humano faz uso de alguma forma de capacidade inata, muito se discute sobre a natureza. Duas correntes inatistas tentam explicar essa natureza, são elas:

  • Hipótese gerativista ou inatista: assume que o aprendizado da linguagem independe da cognição e de outras formas de aprendizado.

  • Teorias cognitivistas, construtivistas: a linguagem é parte da cognição, o mecanismo responsável pelo aprendizado da linguagem também é responsável por outras formas de aprendizado.

Consideremos a hipótese inativista. Remonta a Noam Chomsky (1965) a proposta de que o ser humano é dotado de uma gramática inata. Ele propõe uma teoria que se baseia na rapidez do processo, na criatividade e competência do falante, em regras lingüísticas de outra natureza e em afasias em áreas do cérebro. Sua teoria fundamenta-se na observação de que a criança, ao viver em um determinado meio  em que se fala uma determinada língua seja capaz de produzir sons dessa língua ao passo de desenvolvê-la e que por volta dos 3/4  anos ela já está com sua “gramática” quase completa.

Chamsky propõe que a criança é munida de um dispositivo de aquisição da linguagem (DAL) - na criança esse dispositivo é ativado quando ela, exposta ao meio lingüístico, recebe sentenças (input) que são trabalhadas quando como resultado a gramática da língua à qual a criança está exposta. Segundo Chomsky, esse dispositivo é formado por uma série de regras, e a criança em contato com as sentenças de uma língua, relaciona as regras que funcionam naquela língua em particular, desativando as que não têm nenhum papel. Assim sendo, a criança possui uma Gramática Universal (GU) inata contendo as regras da língua a qual está adquirindo. Mas, para que esse processo se inicie, não basta apenas que a criança possua essa capacidade inata, ela precisa estar em um determinado meio social, em que haja pessoas falando para que seja estimulada a falar aperfeiçoando sua performance.

Por meio da análise de diferentes línguas, é possível encontrar pontos comuns, princípios universais e que a partir desses princípios será possível criar parâmetros na tentativa de explicar a organização das línguas e, portanto uma gramática universal (GU). A concepção do que seja a gramática universal muda com a Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981). Segundo essa teoria, a GU é formada por princípios, “leis” invariantes que se aplicam a todas as línguas, e de parâmetros, “ leis” que variam entre as línguas e que explicam tanto as diferenças entre as línguas como as mudanças numa mesma língua. Assim, a criança com sua gramática universal, cheia de princípios e parâmetros ao ouvir uma determinada sentença em uma língua ao qual está exposta, é capaz de criar parâmetros, fazer escolhas. Como exemplo disso, supomos que as sentenças de todas as línguas devam ter sujeito, no entanto, esse sujeito pode ou não ser omitido – esse é o parâmetro a ser marcado.  Caso a criança seja exposta a língua inglesa, a dados do inglês, ela vai marcar o parâmetro da seguinte maneira: “o sujeito deve ser sempre preenchido”, pois é justamente isso que acontece no inglês, toda sentença pede um sujeito. Caso a criança seja exposta à língua portuguesa, o valor do parâmetro será: “o sujeito pode ser omitido”. Alguns dos parâmetros que têm sido estudados são: se a língua opta por sujeito nulo ou preenchido, por objeto nulo ou preenchido, pelo tipo de flexão ou estrutura temática do verbo, etc., no entanto, muitas questões ainda hoje, estão por ser respondida no que diz respeito aos parâmetros.

 

Nos estudos de Chomsky, cabe lembrarmos que para ele o aprendizado da linguagem é independente da cognição. A relação entre a língua e outros sistemas cognitivos, como a percepção, a memória e a inteligência, é indireta, e a aquisição da linguagem não depende de outros módulos cognitivos, muito menos de interação social. Vários argumentos são invocados a favor de uma hipótese inatista que defende a posição de que a faculdade da linguagem não é um módulo da cognição, a exemplo disso, temos o fato de que pessoas com atraso ou problemas mentais não apresentam necessariamente problemas lingüísticos, enquanto que há famílias com diversos problemas lingüísticos mas que apresentam, capacidades cognitivas normais.

As colocações inatistas de Chomsky suscitaram uma série de estudos e pesquisas a  partir dos anos 1960, principalmente no campo da fase sintática, onde a prioridade estava na análise do estudo da aquisição da gramática, uma criança a partir de seu segundo ano de vida, quando ela é capaz de enunciar mais de  uma palavra. Tais trabalhos foram criticados por duas vertentes teóricas:

  • O cognitivismo

  • O interacionismo

A segunda corrente inatista considera que o mecanismo responsável pela aquisição da linguagem é também responsável por outras capacidades cognitivas. Segundo essa teoria, as crianças constroem a linguagem.

A proposta teórica cognitivista vinculada a linguagem à cognição, desenvolvida a partir dos estudos de Jean Piaget. Piaget propõe que o desenvolvimento cognitivo passa por períodos, ou seja, estágios: sensório motor (0 à 18 meses), pré-operatório (2 à 7 anos), operações concretas (7 a 12 anos) e operações formais. São muitos os estudos sobre a aquisição da linguagem numa abordagem cognitivista.

O interacionalismo de Vygotsky (1962) também defende que o desenvolvimento da fala segue as mesmas leis, o mesmo desenvolvimento que outras operações mentais. No entanto, chama a atenção para a função social da linguagem. Assim como Piaget, Vygotsky estava interessado na relação entre língua e pensamento.

 

As propostas de Chomsky sobre o inatismo bem como suas críticas ao modelo comportamentalista e seus estudos sobre o assunto muito têm contribuído para os estudos de aquisição da linguagem. Suas criticas abalaram os fundamentos da Psicolingüística, forçando um desvio no campo, o que diminuiu significamente a influencia comportamentalista e reavivou o mentalismo, agora, fundada em novas bases.

As mudanças na teoria lingüística, constantes na vertente chomskyana, acabaram em uma ampliação da Psicolingüística através de contribuição de psicólogos e filósofos da linguagem. Daí o despertamento de um novo período, o do cognitivo. Portanto, o mentalismo de Chomsky desencadeou vários estudos posteriores em lingüística, psicologia e filosofia, influenciando estudiosos na tentativa de responder as perguntas que envolve a língua e sua aquisição.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SCARPA, Ester Mirian. Aquisição da linguagem. In MUSSALIM, Fernanda; BENTES Anna Christinna (orgs). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras, V.Z. São Paulo: Cortez, 2001.

SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem.

FIORIN, José Luiz (org.) Introdução à lingüística: I. objetos teóricos. São Paulo: contexto, 2002.

DEL RÉ, Alessandra. Aquisição da Linguagem: uma abordagem psicanalingüística. São Paulo: Contexto, 2006.