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Vamos fazer o jogo do contente!

2019
pedrosampaiominassa@gmail.com
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Brasil)
Publicado no Psicologia.pt a: 2019-04-08

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Vamos fazer o jogo do contente!

Aqui o sol não indica calor. O frio chega rasgando em dias ensolarados e sem uma nuvem sequer no céu. Não basta olhar para o céu e achar que o dia estará quente, se arrumar em função disso é desengano. As aparências enganam e por isso é preciso, primeiro, olhar a previsão do tempo ou ir ao lugar mais aberto de casa, para perceber se aquele sol é só de enfeite, ou se ele condiz com a nossa situação aqui debaixo. Tem gente que prefere calor, tem gente que derrete nele, tem gente que prefere frio, tem gente que congela nele.

Dizem que o ser humano é um ser incoerente e ingrato, e estou quase certo disso. Se tem muito sol, quer muita chuva, se tem muito frio, quer muito calor, se tem muita praia, quer montanha e se mora na montanha, quer a praia, e por aí vai. De um lado o que se tem, de outro o que se quer ter. E isso, não, não é coisa de idade ou maturidade, pois até o mais velho dos seres humanos convive com o descontentamento, até mesmo com a vida, querendo a morte e que quando ela se aproxima, reclama a vida de novo. Enfim, somos assim, coitados de vós e de mim. No entanto, podemos tentar mudar essa postura nos atos do dia a dia, mesmo que daqui algumas horas ela nos tome de novo. Afinal o ser humano é assim, falho, diga-se de passagem. Hoje mesmo eu falhei.

Comecemos, então, a praticar o inverso do que estamos, na inércia do cotidiano, acostumados. Primeiro, antes de reclamar do dia que se põe lá fora, chuvoso ou ensolarado, pense como seria se o mundo fosse só de chuva ou só de sol, como seria chato e monótono, não teríamos o gosto pelo diferente. Segundo, quando se sentir entediado de morar na praia, vá passar um feriado extenso nas montanhas e muito provavelmente voltará sedento dela. E por que não levar esse lema às outras coisas da vida também?

Por exemplo, se estou desgostado do trabalho, que só tem me trazido problemas nos últimos dias, penso como seria se não o tivesse. Meus dias até poderiam ser livres no começo, mas o desemprego começa a incomodar a liberdade com o tempo. Se estou cansado do mesmo caminho que faço todos dias e se há outros caminhos alternativos, começo, pois, a intercalar, ora sigo por um, ora volto por outro, passo também a perceber coisas que não percebia naquele caminho aparentemente igual, mas repleto de diferenças. Se estou numa fase ruim de um relacionamento, começo a relembrar e a reviver a fase boa, começo a pensar como seria se me visse de novo solteiro, sem aquela pessoa amada à esta altura da vida. Vamos fazer o jogo do contente!

A vida é um jogo de contradições, um querer mais que bem querer, uma vontade de ser o que não se é, de se ter o que não se tem, de se viver o que não se quer mais viver. É uma fuga constante de nós mesmos, do que temos, do que somos, de onde estamos e para onde vamos. Só que isso tem limites! Matamos nossa essência original, na medida em que não nos reconhecemos no caminho do autoconhecimento e querendo ser sempre algo diferente de nós mesmos. Iniciamos, então, uma fase de desconstrução de nossa identidade, com intervenções aqui e ali, no corpo e na alma. É preciso, antes de tudo, se conhecer para se reconhecer como um ser original. É preciso conhecer o lugar que se vive para reconhecer as belezas que o chamaram a viver ali um dia. É preciso perder para valorizar. É preciso ter novas experiências, ainda que penosas, para saber o que se é e o que se tem. A felicidade será tanto quanto mais sincera, quanto menos vivermos por um querer pretensioso, e mais, por um viver despretensioso.

Pedro Sampaio Minassa

Pedro Sampaio Minassa é brasileiro, graduando (já finalista) em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo e cronista nos tempos livres. É colaborador de diversos portais e jornais, tais como o P3 (Público, Portugal), Portal DUO, Portal do Envehecimento, Crônicas da Editora KBR.

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