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A 1ª Consulta - Entrevista Clínica

2016
joana.collaco@gmail.com
Psicóloga com Mestrado em Psicologia Educacional pelo ISPA - Instituto Universitário. Pós-graduada em Neuropsicologia pelo Instituto CRIAP. Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Possui experiência na área do desenvolvimento infantil, exercendo funções em contexto clínico e em agrupamentos de escolas, prestando serviços ao nível da saúde e da educação, com crianças e adolescentes.

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A 1ª Consulta - Entrevista Clínica

Numa tarde de 6ªfeira, os meus Pais foram buscar-me à escola mais cedo, dizendo que tinha de ir ao médico. Fiquei chateado, primeiro porque não me deixaram terminar o jogo de futebol, segundo porque não percebi porque tinha de ir ao médico se não me doía nada. Chegámos ao consultório e a médica mandou-nos entrar, fiquei surpreendido….uma médica sem bata?! uma sala cheia de brinquedos?! pensei que se calhar se tinham enganado, mas rapidamente percebi que não. A médica disse que era uma “pesicóloga”. Não percebi muito bem o que isso queria dizer, mas ela lá me explicou e falou comigo. Fez-me perguntas sobre os meus amigos, o que gostava de fazer, o futebol etc… eu continuei sem perceber o porquê de estar ali. Foi então, que finalmente os meus pais me disseram que eu estava ali porque me andava a “comportar mal” e eu fiquei na mesma sem perceber! Depois começaram a ler uma lista enorme de queixas, entre elas:

  • “O meu filho chora e berra muito no supermercado até conseguir o que quer.” – Pois claro, levam-me para o supermercado onde há imensas coisas apetitosas e eu não resisto a chocolates! Sei que se gritar um pouco mais, tenho a certeza que o meu pai vai morrer de vergonha e dá-me logo o chocolate.

  • “O meu filho na escola come tudo o que lhe dão no refeitório e em casa não come quase nada.” – Mas porque raio tenho de comer o que a minha mãe faz para ela e para o meu pai, se basta eu chorar um bocadinho que ela faz sempre um segundo prato para mim, ainda por cima com comida muito melhor, sem aquelas coisas verdes.

  • “Não larga o tablet, é em casa, no carro e até nos restaurantes.” – Vocês é que me deram o tablet e eu agradeço, porque era mesmo o que queria. Nós vamos aos restaurantes e eu também agradeço porque adoro comer pizza, mas vocês só sabem falar sobre o trabalho e o “estado do país”, mal abro a boca mandam-me logo calar. Já que vocês levam o tablet para o restaurante, eu aproveito, dou uso e vocês até agradecem eu estar ali caladinho, por isso não se queixem! Esta nem devia contar como mau comportamento.

  • “Por fim, o que nos trouxe aqui foi o fato de o meu filho ter sido suspenso da escola por um dia, por ter batido num menino e não se importar.” – Hey, primeiro, ninguém me ouviu quando eu disse que o João é que me bateu primeiro, só porque meti um golo na baliza da minha própria equipa, bahh fui parvo…mas ele não tinha que me bater e, tal como o meu pai está sempre a dizer: “se te baterem, tu não te ficas… dás de volta!” e foi o que fiz. E depois, eu sei que não sou mau e não tenho de me importar por ficar um dia de férias em casa, a jogar PSP.

Enquanto os meus pais faziam queixinhas, a médica ia olhando para mim, observando o meu comportamento a brincar. No final, ela disse muita coisa, falou de regras e coisas do género, mas a única frase que me ficou na cabeça foi que o problema não estava em mim, mas sim na atitude dos meus pais. Desta não estava à espera, ela não pôs as culpas em cima de mim?! Epa esta consulta não doeu nada, venham mais médicas como esta!

 

Joana Collaço

Joana Collaço é psicóloga, tendo obtido o seu Mestrado em Psicologia Educacional no ISPA - Instituto Universitário. É também pós-graduada em neuropsicologia pelo Instituto CRIAP e membro efectiva da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Além de formadora e palestrante, possui experiência na área do desenvolvimento infantil, exercendo funções em contexto clínico e em agrupamentos de escolas, prestando serviços na nível da saúde e da educação, com crianças e adolescentes.

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