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Joseph e o cobertor de um 737-200

2019
pvpassos@gmail.com
Psicólogo clínico - Braga, Portugal

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Joseph e o cobertor de um 737-200

Num voo para Paris, para onde ia passar uns dias de folga em casa dos avós maternos, Joseph era o único passageiro da fila onde estava.

Ia sentado no lugar de janela do lado direito do boeing 737-200.

É um avião aconchegante e com a graça de ser gordito, acolhedor e muito trabalhador, qualificava assim Joseph, mental e carinhosamente o 737.

 “Grassouillet” gracejava.

Voo nocturno, calmo, sem atraso, poucos passageiros, tripulação folgada, estavam todos os ingredientes conjugados para um voo relaxado e tranquilo.

A meio do voo, de pouco mais que duas horas, já estavam terminadas as tarefas habituais de refeições, distribuição de jornais e revistas e das vendas a bordo.

A tribulação estava concentrada na parte da frente do avião, lendo ou apenas fazendo tempo à espera para os procedimentos da aterragem.

Dos passageiros a bordo grande parte dormitava, ou com a tranquilidade do voo, ou pelo sono da hora, ou pelo efeito dos usuais calmantes tomados, meia hora antes do embarque.

Joseph, sem conhecer os motivos, preferia viajar nas últimas filas dos aviões. Provavelmente por serem as filas menos procuradas e como tal menos ocupadas, justificava.

Ele, sendo um homem alto, tinha ainda mais dificuldades em se encaixar nos aviões.

Acreditava sempre que ao seu lado o lugar ia vazio, facto que lhe permitia esticar as pernas. Assim organizava o pensamento que o levavam a optar pelas filas de trás nos aviões.

Viajar com um avião cheio e com pouco espaço e pouca manobra de controlo desse espaço, era um martírio que Joseph tentava evitar.

Joseph sempre teve o privilégio de gostar de brincar consigo e com as suas representações e preferências. Estes momentos de lazer terminavam sempre com o pensamento alusivo à gestão e à imagem corporais, emproando-se ao pensar que gerir o corpo é uma coisa e gerir o corpo alto é um prazer.

Não era um exercício narcísico que fazia ou vaidade que sentia. Era a conjugação dele com o seu corpo. Apenas estava a actualizar realidades por ele vivenciadas.

Ele, o seu corpo e o seu corpo adjectivado construíam o Joseph.

Preferia os voos nocturnos, acreditando serem os menos saturados.

Joseph ia com a cabeça de lado, encostada à janela e com o olhar no verde da luz de navegação na extremidade da asa, que se salientava na escuridão.

As pernas meio esticadas ocupavam o espaço do lugar do meio.

Era inverno e estava algum frio dentro do avião.

Um frio terno a pedir aconchego.

Sente uma voz chegar até si e aprecia-a como, naturalmente, quente, determinada, áspera na dose certa e sensual.

Alguém da tripulação tinha-se dirigido a ele com um cobertor.

Desses cobertores das companhias aéreas que, nos voos que o justifiquem, são distribuídos pelos passageiros.

Levanta mais a cabeça e depara-se com um comissário de bordo, com o cobertor na mão a ele dirigido e com o sorriso na cara também a ele endereçado.

Agradado com a sonoridade, Joseph não viu só um sorriso profissional.

Era um sorriso de disposição.

Agradece e pega no cobertor.

Pega-lhe também no sorriso e apresenta-se, esticando a mão para o cumprimentar.

O comissário solta o cobertor, mas não solta a mão que cumprimenta.

Entregou o sorriso e disse chamar-se Henrique.