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O gato e o joio - IV

2019
pvpassos@gmail.com
Psicólogo clínico - Braga, Portugal

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O gato e o joio - IV

“Comprar gato por lebre”

“Separar o trigo do joio”

 

Diariamente, Maria Augusta e grande parte da massa dos seus colegas, engendravam meios e mecanismos de poderem ser alvos, de um momento que fosse, do protagonismo que servia de combustível para a sobrevivência de quem tinha enveredado por essa via de acesso às pretensas ascensões profissionais.

Era esgotante, mas era impossível desistir.

A desistência não cabia na cega luta por uma direcção ou qualquer outro poleiro de nível acima ao já em pouso.

O problema estava centrado no facto de toda a energia ser consumida nestes meandros. O que devia ser feito era, por norma, desviado do objectivo ou, na melhor das hipóteses, executado na sequência de um grande jogo do empurra. Acotovelavam-se sem quaisquer constrangimentos.

Dentro da universidade o conflito não espreitava, estava instalado de poltrona ao lado do cinismo.

Travestido sim, mas instalado e com raízes profundas.

Aclarar o conflito era a derrota.

Não havia embaraço algum em tomarem café (cafés) depois de uma cena de pugilado de olhares e acusações, no silêncio dos forçados e tensos sorrisos.

Tensos e forçados, mas pertencentes ao plano de sobrevivência.

Maria Augusta nunca perdia a oportunidade de se apoderar (para acrescentar à cábula) de mais uma citação, um título, ou um aditivo de seu interesse.

O manancial de referências era um dos motores do seu empenho.

Pouco tinha, do que suposto existir para uma profissional com expressão e enriquecedoramente livre.

Estava perfeitamente integrada na indústria dos títulos que caracterizava o que fazia enquanto docente, nessa mesma instituição, onde tão facilmente se acessa ao grosseiro e corrosivo plágio (assunto silenciosamente diluído, obviamente, pelos longos corredores repletos de gabinetes).

Maria Augusta, como muitos dos seus colegas, referia-se sempre, a este assunto de forma condenável, cautelosa e merecedora da atenção canalizada para a repreensão acesa e inconcebível, tentando manter a protecção do prestígio institucional (que habitava).

Havia quem questionasse se o prestígio era o institucional ou eram os dos melindrosos individualizados…!

De qualquer modo, não era conveniente existirem beliscos visíveis e muito menos que transparecessem fora de portas.

Era-lhe, no seu formal meio profissional e de modo corrente, atribuído o condão da escrita enfeitada.

Maria Augusta movia-se bem e com destreza no cenário formal das elaborações e formatações de textos, jogando com as palavras de forma inteligente, mais parecendo, até, estar em trabalho de decoração.

Fielmente esgotava-se no universo das exageradas notas de rodapé.

Valorizados (no arranjo do formato) eram os seus escritos, dentro da academia, mas, para muitos outros, eram ocos em produção de utilidade não decorativa.

Tanto abarrotava os textos com tão exagerado número de títulos e citações, com as suas mais recentes apropriações registadas nos seus cardápios de cábulas (impulsionadores fantasmas de um admirável cariz elevado de sapiência), que o despropósito e a incoerência debitavam-se em transbordo.

Qual gemidos emitidos entre dentes (ou pensamentos), eram comentários sobre rodapés que teciam uns dos outros.

Tanto se entrelaçou neste viciante jogo, abundante em sombreados de falseamento (mas tudo ali estava assim alinhavado), que se tornou dependente e incapaz de consciencializar que liberdades tinha o mundo para oferecer.

Também o poderia habitar.

Mas estava petrificada na mordaça.

Já não era capaz.