PUB


 

 

A escola da moda

2007
clauarb@hotmail.com
Educadora e Psicopedagoga formada pela PUC de São Paulo, especializada em educação infantil. Colaboradora em sites de psicologia e educação. Faz atendimento clínico, trabalhando com crianças, adolescentes e adultos que apresentam dificuldades de aprendizagem. Presta assessoria psicopedagógica e pedagógica em escolas de Educação Infantil.

A- A A+
A escola da moda Contributos para uma reflexão sobre estruturas de personalidade de um nadador de alta competição

- Você precisa ver que gracinha! O desfile de moda na escola da minha filha estava lindo.

- Desfile ?

- É, as crianças não têm aulas de artes, educação física, judô? Então, na escola da minha filha, elas têm aulas de moda também.

- Puxa...

- Elas confeccionam suas próprias peças: acessórios, roupinhas, etc...e desfilam. Uma belezinha...!

 

Não é incomum acontecer de uma conversa entre estranhos despertar nossa curiosidade, quase involuntariamente, quando estamos em lugares públicos, como vestiários de clubes, restaurantes, bares, lojas...

No meu caso, comecei a ouvir as duas mulheres, provavelmente por se tratar de um assunto que diz respeito a minha prática cotidiana e profissional: educação.

Essa conversa me deixou perplexa; pensei em chegar mais perto e participar. Pensei em perguntar o nome da escola, e procurar saber com qual propósito uma instituição educacional ensina moda.

Como é possível ensinar moda para crianças pequenas, e exercitar ao mesmo tempo um olhar crítico sobre o assunto?

Essas aulas, a meu ver, prestariam um desserviço, se fossem conduzidas sem qualquer objetivo pedagógico ou educacional.

Penso que elas valorizariam o “modismo”, engrandeceriam a superexposição, a futilidade e efemeridade dos acessórios e das roupas bonitas.

Para que servem aulas de moda?

Ensinar a ficar na moda? Ou a pensar na moda?

Aulas de moda estimulam os sentidos estéticos? Desenvolvem habilidades manuais? Funcionam para aumentar a capacidade de criar?

No conto “A roupa nova do rei”, de Andersen, dois espertalhões enganam o rei, que acaba desfilando nu, acreditando que está vestido com roupas feitas de um tecido tão fantástico e especial, que só as pessoas inteligentes conseguem ver. Essa idéia é rapidamente disseminada.

Durante o desfile, a maioria da população fica “convencida” que está vendo o rei vestido, porque essa idéia, embora ilusória e irreal, permite sustentar a crença de não fazer parte de uma massa estúpida.

Assim, os súditos anulam toda e qualquer percepção da realidade para se adequar à maioria, ingênua e crente. Até que um garoto, corajosamente, grita no meio do povo: “O rei está nu!!”

É preciso preservar o espírito livre para enxergar determinadas armadilhas.

A armadilha da maioria e do lugar comum é perigosa e certeira. Mas é possível escapar, se a crítica for preservada por quem cuida do que faz.

Profissionais da educação precisam ser cuidadosos, sobretudo quando se trata de reproduzir hábitos e modismos sociais.

O estímulo desproporcional à adesão às prerrogativas da moda é um convite à superficialidade. O sujeito perde o contato com seu mundo interno, volta-se para o outro como um espelho, e deixa de exercitar uma escuta voltada para si, para a própria identidade.

Lembrei–me agora das moças anoréxicas mortas recentemente no Brasil. A moda, talvez, não tenha nada a ver com isso; mas certamente faz parte desse contexto.

A moda de passarela contrata anoréxicas, estimula a magreza, usa meninas que assumem o papel de cabides ambulantes, supostamente charmosas, eternamente manipuladas (como as marionetes) por seus estilistas bem remunerados.

O mundo da moda supervaloriza as modelos. Elas ganham fortunas, comportam-se como bonecas e ainda são classificadas como mulheres poderosas.

Quais serão seus poderes? Provavelmente são os poderes conquistados com as fortunas que acumulam em pouco tempo.

Essas moças têm sido mais do que modelos de passarela. Elas têm feito o papel de modelos de jovens meninas.

Mas a moda pode ser mais que isso. A moda é um elemento integrador e pode funcionar como um incremento à auto imagem do sujeito, que escolhe como quer se vestir, como quer se apresentar aos outros, como gostaria de ser visto. Sim, porque a moda também pode ser isto: uma maneira de achar um grupo de identificação, um lugar para ficar, que ofereça um certo grau de conforto e prazer.

Embora a liberdade individual custe a ser conquistada, quase uma vida inteira, há determinadas escolhas que não conseguimos fazer sem ter um modelo, ou padrão, já pronto. Não há como fabricar a própria roupa, diferente de tudo que há. É preciso optar, entre as inúmeras tendências, pelos trajes que combinam mais com nossa personalidade.

A escolha da aparência que se quer ter e aquela que se consegue ter, são duas vertentes que precisam se aproximar para que a pessoa possa gozar de um mínimo de “personalidade estética”.

Encontrar uma identidade visual que nos agrade e traduza um pouco o que sentimos a nosso próprio respeito, não é uma tarefa fácil. Talvez a moda facilite isso, à medida que oferece um universo de caminhos, que por sua vez, pode proporcionar uma certa autonomia para identificar um estilo próprio de vestir.

Entretanto, a aula de moda, em escolas, parece apenas servir para transformar crianças em mini-adultos, engraçadinhos e alienados do próprio universo infantil.