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COVID-19 pode afetar o cérebro? Certezas e incertezas

2020
edvaldo.soares@unesp.br
Doutor em Neurociências e Comportamento - Universidade de São Paulo (USP). Coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva - LaNeC - Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Brasil

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COVID-19 pode afetar o cérebro? Certezas e incertezas

O sintoma mais característico dos pacientes com COVID-19 é o desconforto respiratório. Em casos mais graves, quando pacientes não conseguem respirar espontaneamente, há necessidade de terapia intensiva. Alguns pacientes com COVID-19 apresentaram sinais neurológicos, como dor de cabeça, náusea e vômito. Evidências crescentes mostram que os coronavírus nem sempre estão confinados ao trato respiratório e que também podem invadir o sistema nervoso central, induzindo doenças neurológicas.

Na China, uma equipe médica do Hospital Ditan de Beijing, afiliado à Universidade Médica da Capital, conduziu o seqüenciamento genético das amostras de líquido cefalorraquidiano de um paciente do sexo masculino, diagnosticando-o com a doença do novo coronavírus (COVID-19). O paciente cujo líquido cefalorraquidiano tinha o vírus apresentava encefalite, uma inflamação do cérebro. Os resultados das análises indicam que o COVID-19 pode causar danos ao sistema nervoso central. O paciente, quando internado na unidade de terapia intensiva (UTI), apresentou sintomas associados à diminuição da consciência, embora não houvesse sinais anormais nas imagens de tomografia computadorizada (TC). Tais sintomas neurológicos desapareceram gradualmente após o tratamento da encefalite viral.

Dessa forma, é importante observar que, em pacientes que apresentem distúrbios neurológicos, especialmente acometimento de consciência, a equipe médica deve investigar a possibilidade de infecções do sistema nervoso e realizar os testes de líquido cefalorraquidiano oportunamente, para evitar atrasos de diagnóstico e reduzir a taxa de mortalidade de pacientes críticos.

Também é importante ressaltar que, a partir de observações post mortem em humanos e experimentos com animais com outras variantes do coronavírus, Matthew Anderson, neuropatologista do Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston e Stanley Perlman, da Universidade de Iowa, constatou que os coronavírus podem chegar ao sistema nervoso antes mesmo de atingir o pulmão. Isso ocorreria por via intranasal, quando, a caminho dos pulmões, os vírus seriam internalizados pelos filetes nervosos que inervam a mucosa olfatória e respiratória.

Já dentro das fibras nervosas, os vírus passam de um neurônio a outro pelas sinapses sendo, dessa forma, conduzidos rapidamente em direção ao cérebro, justamente para regiões-chaves do controle cardiorrespiratório (Tronco Encefálico), encarregadas da monitoração e comando dos músculos e vasos sanguíneos que mantêm, no nível certo, a função do coração e dos pulmões.

Apesar de variedades anteriores do coronavírus não acarretarem problemas como meningite, foi observado que o surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) no início dos anos 2000 infectou o sistema nervoso de algumas pessoas que contraíram a doença. A partir disso, é forte a hipótese de que o COVID-19, assim como a SARS, em casos graves pode infectar a parte do cérebro que controla a respiração, conduzindo à insuficiência respiratória.

A infecção pelo SARS-CoV foi relatada no cérebro de pacientes e animais experimentais, onde o tronco cerebral estava fortemente infectado. Além disso, demonstrou-se que alguns coronavírus se espalham por meio de uma rota conectada à sinapse para o centro cardiorrespiratório medular a partir dos mecanorreceptores e quimiorreceptores no pulmão e nas vias aéreas respiratórias inferiores. Considerando a alta similaridade entre SARS-CoV e SARS-CoV2 (que é o vírus que causa o COVID-19), resta esclarecer se a possível invasão do SARS-CoV2 é parcialmente responsável pela insuficiência respiratória aguda de pacientes com COVID-19.

Mas a questão “até que ponto o SARS-CoV-2 também infecta o cérebro” ainda não está respondida. Também é importante ressaltar que ainda não há evidências de que, quando se contrai COVID-19, há efeitos duradouros no sistema nervoso, ou se, de fato, ele infecta o sistema nervoso.