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Dor

2010
isis.figueiredo1@gmail.com


Trabalho sobre dor apresentado no Centro de Estudos da Maternidade Municipal de Niterói (Brasil)

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Dor

DEFINIÇÃO OFICIAL DE DOR PROPOSTO PELA IASP:

“Uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a uma lesão tissular real ou potencial, ou ainda descrita em termos que evocam essa lesão”.

Há uma ambiguidade no termo dor. Mais do que uma sensação, ela é uma emoção, que pode nascer até sem lesão tissular. A IASP reconhece que a dor poderia existir apenas no plano do vivido e na queixa que a exprime.

Para descobrir a psicogênese da dor precisamos ir ao centro do EU do sujeito.

 

COMO UMA DOR NASCE NO CORPO E SE TRANSFORMA EM DOR INCONSCIENTE

Toda lesão é percebida como periférica, seja um ferimento cutâneo superficial ou uma profunda necrose do miocárdio.

A percepção da lesão age como um estilete que fixa na consciência a representação mental da região lesada.

Uma pessoa que sofre uma queimadura, por exemplo, ela sente como se a fonte do sofrimento se reduzisse apenas à extensão da queimadura. A vivência dolorosa parece tão localizada e concentrada na chaga que a região dolorida parece automatizar-se e erguer-se como uma excrescência tirânica destacada do corpo, que mina e enfraquece o eu.

O Eu percebe as mudanças tissulares, mas é um mau cartógrafo. Não só ele identifica toda lesão corporal como uma lesão periférica, mas, engana-se quando crê que a fonte da dor está no cérebro quanto à sensação dolorosa, e nos alicerces do EU.

Por exemplo, o calor da chama que atacou a pele se transformou imediatamente em uma corrente interna, devastadora e não controlada, que mergulha o eu em um estado de choque traumático.

A partir do momento em que uma experiência dolorosa se grava no psiquismo, assume o estatuto de dor inconsciente, e pode ressurgir de várias formas.

 

COMO UMA DOR CORPORAL PASSA PARA UMA DOR INCONSCIENTE

O afluxo maciço de excitação, que entrou pela lesão, penetra até o grupo central dos “neurônios da lembrança”. A passagem violenta do fluxo energético acarreta duas conseqüências: a inserção de uma imagem mnêmica em alguns desses neurónios é a de um detalhe de agressão ou do objeto agressor. Na queimadura, por exemplo, um aspecto do fogo poderá ser retido, a sua crepitação, o seu cheiro, etc.. Não se trata mais da representação consciente da sede da lesão, mas de uma imagem não percebida pela consciência, representando uma particularidade do acidente.

  O eu guardará na memória a “foto” de um detalhe da agressão, ma imagem mnêmica definitivamente associada à experiência dolorosa.

O neurônio que conserva essa imagem fica extremamente irritável. Fica pronto a reagir a uma eventual excitação suscetível de levá-lo a descarregar a sua energia sob a forma de uma nova dor, de uma lesão, uma ação ou um afeto penoso.

Se a imagem mnêmica é reativada, pode aparecer uma nova dor, menos violenta e situada em um ponto do corpo diferente, Nesse caso o sujeito experimentará uma sensação dolorosa inexplicada, isto é, sem saber que  a sua dor presente é a lembrança agida de uma dor passada.

O corpo é uma tela sobre a qual se projetam lembranças, e que o atual sofrimento somático do paciente é a ressurgência viva de uma primeira dor esquecida.

 

COMO EXPLICAR ESSAS METAMORFOSES DA DOR?

Vamos tomar o caso de uma pessoa ausente da cabeceira do seu pai moribundo ( Anna O., Brewer) e que esqueceu aquilo que , então, ela considerou um erro. Suponhamos que esse erro ficou gravado em um neurônio da lembrança. Mais tarde, por ocasião de uma dor corporal violenta, o neurônio da lembrança do erro será trilhado, isto é, sensibilizado de tal modo que uma fraca simulação posterior bastará para despertar no sujeito um sentimento de culpa inexplicável.

O paciente se sentirá oprimido e culpado, sem compreender a razão. Vemos como a ínfima estimulação de um neurônio, já sensibilizado pelo trilhamento da dor, pode gerar um afeto opressivo, provocar uma lesão tissular ou ainda despertar uma compulsão da imagem mnêmica inscrita no neurônio reativado.

 

 RESUMINDO

Reconhecemos a dor como sendo provocada por uma lesão (queimadura no braço) e pela comoção interna que se seguiu. Depois vimos a dor da comoção inscrever-se no inconsciente e tornar-se ali,  fonte de sofrimentos posteriores.

  

TERCEIRO TEMPO DA DOR  reação/contra-investimento/narcisismo/dor psíquica

A do corporal não se deve mais apenas a uma lesão e ao transtorno que a acompanha, mas ao imenso esforço do eu para defender-se contra esse transtorno. A dor física se torna a expressão de um esforço de defesa, mais do que a simples manifestação de uma agressão dos tecidos.

 

QUANDO O EU ESTÁ EM ESTADO DE CHOQUE, O QUE FAZ ELE PARA SE DEFENDER? COMO REAGE?

Em resposta à agressão, o eu envia para o ferimento toda a energia de que dispõe, para fechar a brecha e deter o fluxo maciço de excitações. É esse movimento reativo de energia-chamado por Freud de contra-investimento ou contra carga - que  se opõe à irrupção brutal da excitação causada pela queimadura. Entretanto, esse auto-curativo não se aplica sobre os tecidos lesados da chaga, mas sobre a representação psíquica dessa chaga.  Ora, o fato de que o contra-investimento defensivo não se refere ao próprio ferimento mas à representação do ferimento, revela a natureza incontestavelmente psíquica de toda dor corporal.

 

POR QUE?

Porque a resposta a uma agressão física não é somente de ordem fisiológica, mas consiste também em um deslocamento de energia da rede das representações psíquicas constitutivas do eu.

 

O CORO É FERIDO E O EU TRATA DELE, UMA CONSEQUÊNCIA DECORRE DISSO:

A dor provocada pela agressão não se atenua com esse curativo simbólico, pelo contrário, ela se intensifica.

A dor é gerada pela valorização excessivamente forte da representação em nós da coisa à qual estávamos  ligados e da qual estamos agora privados, seja ela uma parte de nosso corpo ou o ser que amamos.

Transtornado, ele reage por um reflexo de sobrevivência, agarrando-se desesperadamente à representação psíquica da parte ferida. Como se ele quisesse tratar do seu ferimento, concentrando todas as suas forças disponíveis na imagem mental da zona lesada. Ele trata do símbolo do seu ferimento, por não poder tratar do próprio ferimento.

O eu se lança desesperadamente sobre o símbolo do local atingido e se agarra ele, afetivamente, com todo seu ser. É justamente aqui que aparece a dor; Ela resulta do esforço desesperado do eu para se livrar da comoção. Sofremos porque nos perturbamos diante do perigo. O que dói é, pois uma crispação inútil sobre a imagem do corpo ferido um esforço de defesa inadequado pra tratar da comoção.

Não a dor corporal sem representação. Longe de suavizar a dor, eu a intensifico saturando de energia a representação do meu ferimento. O referido símbolo fica hipertrofiado de afeto, se cristaliza como corpo estranho.

 

RESUMINDO

Por que tenho dor no braço quando me queimo?

Colocando de lado o conjunto dos mecanismos neuro-bioquimicos geradores de dor, existe um encadeamento de causa de ordem psíquica: a impressão de que minha dor emana da queimadura, a auto-percepção do enlouquecimento das minhas tensões pulsionais, há revivência de uma dor imemorial a mobilização de todas minha forças para representação mental para o braço dolorido; e enfim o isolamento dessa representação.

 

DA DOR CORPORAL A DOR PSIQUICA

Vimos como uma lesão se inscreve e produz um registro no psiquismo. Agora falaremos da dor do existir.

A angústia esta que, desde sempre, o ser humano teve e terá que lidar, pois ela é inerente ao percurso de vida de cada sujeito.

Roudinesco diz que em nome da globalização e do sucesso econômico, a sociedade democrática tem tentado abolir a idéia de conflito, abolir as diferenças, singularidades. Passamos da era do conflito para a era da evitação(todo individuo tem o direito e, portanto, o dever de não manifestar seu sofrimento de não mais se entusiasmar com o menor ideal que não seja do pacifismo ou da moral humanitária... a depressão domina a subjetividade contemporânea. Tornou-se a epidemia psíquica das sociedades democráticas).

 

A CADA 50 SEGUNDOS UMA PESSOA SE MATA NO MUNDO

NO BRASIL SE CONSOME MAIS BENZODIAZEPÍNICOS QUE ANALGÉSICOS

Desde os primórdios da civilização o ser humano procurou evitar angustia e encontrar prazeres que vão além de sua realidade imediata. Usa-se substancias psicoativas de longa data, lícitas ou não. Vale salientar que o homem pode tornar-se dependente, não só de substancias psicoativas, como heroína, cocaína, álcool, etc... mas de medicamentos, do tabaco, da comida, do jogo, da TV, dos exercícios físicos, do trabalho, do computador, é mesmo do sexo.

O que caracteriza a patologia não é o objeto em si, mas a relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto.

O drama existencial é muitas vezes relegado a um segundo plano através de um moderno antidepressivo. O discurso médico, muitas vezes privilegia uma medicina organicista. Os medicamentos não devem ser desconsiderados, eles capacitaram muitos sujeitos a uma vida digna. No entanto, eles não podem dar conta, através das quantificações de noradrenalina, dopamina, serotonina, etc... do sofrimento humano.

O sofrimento psíquico não pode ser compreendido ou interrompido puramente através da neurotransmissão - ela não pode dar conta da linguagem do desejo inconsciente.