PUB


 

 

Ensaio sobre a homofobia

2013
pvpassos@gmail.com
Psicólogos clínicos. Centro de Saúde de Barcelos. Centro de Saúde de Amares. Centro de Saúde de Braga

A- A A+
Ensaio sobre a homofobia

Nos anos 70 do século XX, foi usado pela primeira vez o termo “homofobia”, no sentido de sistematizar e caracterizar um conjunto de constructos psicológicos, de natureza sócio-cultural, tradutores do princípio pelo qual alguns indivíduos estão construídos no sentido de sentirem aversão a qualquer postura homossexual.

Sendo que, os sistemas sociais são predominantemente heterossexistas, ao longo do percurso histórico, a incidência derivativa da homofobia centra-se no heterossexismo e está baseado num conjunto de representações mentais e crenças, que assumem a heterossexualidade como a única forma natural e normal das sexualidades.

A homofobia refere-se às atitudes e comportamentos de hostilização e de repulsa, face a relações afectivas e/ou sexuais, entre pessoas do mesmo sexo, adicionado ao ódio pela existência de sentimentos homossexuais noutras pessoas.

Caracteriza, a homofobia, o medo e o resultante desprezo por pessoas homossexuais, sentidos por outros indivíduos e, como designação utilizada para descrever o medo de amar ou de estar intimamente com alguém do mesmo sexo, ela (homofobia) é, de facto, fruto do medo, dos homofóbicos, de eles próprios serem homossexuais, ou que pensem que o são.

Este medo, na construção psicológica dos sujeitos é, na realidade genuína, já que a maturidade dos factores da personalidade e ela própria, estão aquém da funcionalidade das instâncias superiores, pela sobrecarga do constante efeito dos mecanismos de defesa instalados, sempre ao serviço da manutenção da falsa integridade do indivíduo, mas com a cobrança inerente, através do impedimento da consciencializações das verdadeiras representações e pulsões.

No estudo efectuado por Adams, H. ; Wright, L. e Lohr, B., do Departamento de Psicologia da Universidade de Georgia - U, e intitulado Is Homophobia Assocated With Homosexual Arousal?, é demostrado que os sujeitos masculinos tidos como heterossexuais e homofóbicos, sentiram, em cenário experimental, estimulação sexual, medida através da erecção peniana, quando expostos a visualização de cenas filmadas de comportamentos homossexuais masculinos. Não foi verificada erecção peniana nos sujeitos masculinos heterossexuais não homofóbicos e expostos, igualmente, à visualização de cenas filmadas de comportamentos homossexuais masculinos.

O medo da consciencialização da génese pulsional, nos indivíduos homofóbicos e no que se refere ao desígnio sexual, parece estar na origem das posturas psicológicas face à homossexualidade, bem como do recurso às protecções psíquicas em serviço para o impedimento dessa consciencialização.

As manifestações de homofobia estão, comummente referenciadas, a vários níveis, onde o reportório atitudinal e comportamental, oscila de entre a repulsa e a aceitação, passando pela a pena e a tolerância.

Sendo que a “repulsa” se refere a uma condição de doença, de pecado ou mesmo de crime ofensivo, onde tudo é justificável para corrigir, ou segregar as pessoas homossexuais; a “aceitação” subentende, como forma de homofobia, que existe alguma coisa para ser aceite, não existindo a variante de aceitação / não aceitação, face há existência da heterossexualidade. Entre estes dois níveis, estão definidos a “pena”, onde a homossexualidade é tida como uma representação, identidade e existência de menoridade, face à heterossexualidade, esta sempre preferível a modelar; assim como a “tolerância”, onde a homossexualidade é vista como um período transitório de imaturidade, comum até mas, tacitamente ultrapassável.

Um contributo para o entendimento da necessidade dos indivíduos homofóbicos se defenderem, face às suas representações e pulsões de identidade sexual e que dominância de mecanismos defensivos, está referenciado no estudo de Lewis, A. e White, J., intitulado The Defense Mechanisms of Homophobic Adolescents Males.

Segundo o citado estudo, os principais processos psíquicos de protecção, ao serviço dos sujeitos homofóbicos são a “projecção”, a “denegação”, a “racionalização”, a “idealização”, a “formação reactiva”, a “sublimação” e o “recalcamento”, defesas definidas pelo discurso psicanalítico e que se referem a um conjunto de operações onde a finalidade é reduzir ou suprimir, qualquer modificação susceptível de pôr em perigo a integridade e a constância do indivíduo, como apontado no Vocabulaire de la Psychanalyse de Laplanche, J. e Pontalis, J-B, manual que suporta as definições dos diversos mecanismos de defesa e neste ensaio são aplicados às posturas de homofobia.

As pessoas homofóbicas utilizam o mecanismo de defesa da “projecção”, através da expulsão de si próprio e localização noutra pessoa, sentimentos, desejos e qualificações que o próprio recusa em si, ou seja, as atribuições homossexuais parecem estar, objectivamente, no próprio homofóbico.

A “denegação” é um processo pelo qual os sujeitos homofóbicos, embora formulando os seus desejos, pensamentos ou sentimentos, até aí recalcados, continuam a defenderem-se deles, negando que lhes pertençam.

O processo através do qual os indivíduos homofóbicos procuram apresentar uma explicação ou justificação, que pareça coerente ou lógica, para as atitudes, actos, ideias ou sentimentos que possuem, mas cujos verdadeiros motivos não se apercebem, é designado por “racionalização”.

A “idealização” traduz o mecanismo intrapsíquico, facilitador do reforço da representação dos valores do próprio homofóbico, levados à “perfeição” (ego ideal) e garantindo assim os seus pontos de vista, sendo que a “formação reactiva” é um procedimento de recurso do homofóbico, onde se espelha o hábito psicológico em sentido oposto a um desejo recalcado e constituído, reactivamente, em oposição a esse desejo.

De igual dominância de caracterização da produtividade defensiva do homofóbico, estão a “sublimação” e o “recalcamento”, onde a sublimação revela a tendência em canalizar para alvos não sexuais, as actividades operativas e funcionais, mascarando a genuína pulsão e identidade, para alvos socialmente valorizados; enquanto que o recalcamento, se traduz pelo mecanismo onde o homofóbico procura repelir ou manter no inconsciente, as representações ligadas às suas pulsões.

Em reflexão e em notável desprezo pela insuportável, corrosiva e miserável “ordem natural das coisas”, é de sublinhar que a liberdade e igualdade geram abstração e esta gera liberdade e igualdade, contrariamente aos movimentos discursivos e opinitivos de conveniência que geram concretismo e este gera regência pré-conceptual, funcionando, assim, como travão, oportuno e defensivo (medo das auto-consciencializações), ao compromisso facilitador de evolução dos sistemas sociais nas suas variantes de direito, justiça e alteridade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Adams, H. ; Wright, L. e Lohr, B., Is Homophobia Assocated With Homosexual Arousal?, Journal of Abnormal Psychology, 1996, Vol. 105, Nº 3, pg 440-445

Laplanche, J. e Pontalis, J-B, Vocabulaire de la Psychanalyse, Presses Universitaires de France, Paris, 1981

Lewis, A. e White, J., The Defense Mechanisms of Homophobic Adolescents Males, Journal of Adolescence, 2009, Vol. 32, pg. 435-441