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Tirania psicológica das minorias

2018
luismaia.gabinete@gmail.com
Licenciado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade do Minho. Mestre em Neurociências pela Faculdade de Medicina de Lisboa. Doutorado em Neuropsicologia pela Universidade de Salamanca. Especialista em Neuropsicologia e Psicobiologia pela Universidade de Salamanca. Pós-Doutorado em Ciências Médico-Legais pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar. Docente universitário no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade da Beira Interior. Neuropsicólogo e psicólogo clínico (prática privada). Editor associado da "Revista Psicologia e Educação" (UBI). Editor da “Iberian Journal of Clinical & Forensic Neuroscience” (Portugal). Editor da RUMUS "Revista Científica da Universidade do Mindelo" (Cabo Verde)

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Tirania psicológica das minorias

Ainda este mês de março de 2018 estive como orador num Fórum público com uma audiência vasta e onde tive oportunidade de me confrontar com aquilo que eu me acostumei a denominar a minha capacidade de falar com alguém que tem uma opinião, fundamentada na sua opinião, mas que não faz a mínima ideia do que está por detrás daquilo que sustenta as “coisas” da vida contra o que é a favor ou contra. Considero por isso que, a maioria das pessoas, neste momento histórico em Portugal, vive, em grande medida, ou em acordo com ideias minoritárias que se tornam obrigatórias e politicamente corretas (não se vá cometer o despautério de se ir contra o que é politicamente correto, num determinado momento histórico) ou acreditam que a sua visão, mesmo sendo minoritária, tem que ser aceite, mas mais que isso, vivida pelos outros (mesmo que “os outros” representem a maioria de uma determinada comunidade e esteja claramente contra, do ponto de vista pessoal, em aceitar tais normas!).

Tal não me parece em nada justo. Tal como referia Raoni Ras, “Quem quer fazer revolução pelo simples desejo de ir pra rua (e não me venham falar em minoria), é igual aquela pedra que afiava guilhotinas e se sentia orgulhosa em participar. Mas ela, tadinha, não deixava de ser responsável por cabeças rolarem”.

Como democrata que sempre fui, tenho imenso orgulho em viver num país onde cada pessoa pode exercer os seus direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente aceites, todavia, julgo que existem extremas contradições, talvez hipocrisias, na forma como, nós como portugueses, nos organizamos na gestão de uma pretendida “paz pública”. Um dos principais paradoxos que encontro, começa pela lei magna do nosso país, a Constituição da República Portuguesa, que mantem, nas suas versões atuais, o vertido do preâmbulo de 1975, onde se refere “(…) assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português (…),”. Ora, se percebo que àquele momento a referência ao termo socialista não tivesse uma intenção obrigatória de coarctar o direito à livre expressão dos ideias políticos individuais e remetesse mais para a necessidade de permitir o desenvolvimento de um estado social, a pensar nas pessoas, já não entendo que com as várias revisões constitucionais tal aspecto não fosse corrigido, uma vez que hoje, em 2018, sabemos bem o que que se quer dizer com uma “sociedade socialista”.

Antecipo que muitos estejam prontos a criticar fortemente esta minha ideia, todavia talvez já não estejam quando se coloca a questão que, constitucionalmente, o Estado Português é de natureza laica, e por isso nenhuma menção a religiões deve ser feita no que toca à “causa pública”.

Mais uma vez refiro que para mim seria aceitável se fosse coerente. Mas não é! Na religião por exemplo, a maioria defende, e bem, o direito de expressão religiosa muçulmana, judaica, etc., (desde que não seja, obviamente, em nome e no exercício de uma função pública), mas se repararem, quando a expressão religiosa é de raiz cristã, e principalmente católica, então as regras parecem ser totalmente diferentes, e pura e simplesmente não se aceita! O que me incomoda não é da defesa de um estado laico, mas as incoerências que, não sei se todos percebemos, nos são impostas como determinações constitucionais, mas depois aceitamos que a mesma constituição determine a orientação de pensamento político que deve vigorar em Portugal. Para mim é uma enorme incongruência, e não vejo que tal possa ser banalmente aceite.

Do ponto de vista psicológico, tais aspectos trazem ao de cima um conjunto de fragilidades sociais que eu, como alguns, caracterizo de “Tirania das Minorias”!

É confrangedor verificar que num país “tão democrático” como se pretende fazer crer, alguns pequenos grupos de pessoas parecem querer apoderar-se da razão e da vontade do meu pensar.

Se pensarmos na liberdade religiosa, o que o entendimento público informado refere, baseado em valores constitucionais, não é que os cidadãos nãos possam expressar livremente a sua crença e credo religioso. Pelo contrário, esse direito é assegurado e proclamado. Todavia, a maioria das vezes parece que é ao contrário, como se o povo, como sua maioria, tivesse proclamado que não se pode expressar o seu lado religioso. Que sentido faz isso num país como Portugal? Será que se pensará que todas as pessoas residentes em Portugal, que tenham uma vivência religiosa, são pessoas intelectualmente tacanhas, moralmente formatadas e incapazes de olhar para o seu semelhante dessa mesma forma, seu semelhante? Alguém porá em causa o papel que a obra social da(s) Igreja(s) tem e tiveram em Portugal e no mundo? É obviamente mais fácil criticar a expressão livre e democrática dos outros mesmo que estejam a produzir um bem social, que aceitar que a maioria assim o pensou e quer continuar a pensar, e por isso não vai ser a imposição de uma pretensa lei da rolha moral que a calará.

Veja-se outro exemplo. Canábis! Medicinal, recreativa, sim ou não!

Cai o Carmo e a Trindade quando alguém diz, “medicinal, sim, mas regulamente-se, e recreativa, não!” Pronto, essa pessoa já é retrograda, obtusa intelectualmente, de direita, influenciada por preconceitos religiosos… Desculpem mas não há mais paciência para esse tipo de argumentos. Quando se referem os aspectos positivos da Canábis é preciso perceber que se se está a defender o direito que um cidadão tenha de optar pela utilização medicinal da mesma, então obviamente estou em total acordo, todavia a única prerrogativa que colocaria é que fosse tecnicamente controlada por laboratórios (como qualquer medicamento), e que fosse sujeita a regras de prescrição médica por especialista qualificado para o exercício do acto médico). Qualquer utilização fora deste registo teria que ser, por definição, denominada de utilização recreativa (tal como como acontece com qualquer fármaco que não tendo sido receitado por um médico, chega à mão de um utilizador e deixa de ser um ansiolítico / benzodiazepina, e passa a ser um “drunfo”; ou seja, droga!).

Tal, a ser legalizada para uso meramente recreativo, aumentaria, como demonstra a maioria absoluta de estudos científico – clínicos oficiais num aumentos de psicoses, surtos delirantes, alterações comportamentais e personalísticos, alienação social, etc.

Mais ainda, quem defende que não se deve dar dinheiro a laboratórios para controlar a produção e distribuição medicinal da mesma, e que tal poderia ser feita numa pequena horta em casa, não percebe o risco em que estaria a colocar-se a si próprio e a outros que consigo coabitem. Sabe-se hoje que o nível de THC (Tetrahidrocanabinol) presente numa simples dose média de canábis, é cerca de 20 a 30 vezes superior do que as estirpes (tipos) de canábis consumidas no advento do “Paz e Amor” dos anos 70 do século passado eram. Será que as pessoas todas sabem isso?

O fenómeno da politoxicodependência (consumo de várias substâncias como “drogas de eleição”, e não apenas de uma) é mais que conhecido e vem agravar o que já se sabe, a maioria dos consumidores de substâncias que, erroneamente se denominam como drogas pesadas, inicia-se pelo uso recreativo de drogas que, erroneamente, se classificam como não drogas ou drogas leves! Só quem não está no terreno é que não sabe disto! Quem está numa secretária, ou a pensar no conforto do sofá, não terá, de facto, tanta oportunidade de saber!

Confunde-me um último argumento que me parece tão insuficiente como pueril. Já notaram, por certo, que algumas pessoas, técnicos de saúde e da população geral, referem que se há tanta preocupação com a Canábis, então deveríamos ter a mesma preocupação com o consumo de bebidas alcoólicas, que alguns referem fazer pior que a canábis. Ainda se vai ouvindo residualmente coisas como o mal que faz a prescrição de tantas benzodiazepinas (ansiolíticos), anti-histamínicos (causaria algum efeito sedativo em crianças), metilfenidato (tratamento de deficit de atenção e hiperactividade), etc. Quando qualquer uma destas substâncias é utilizada indevidamente é porque algo, no processo de avaliação da necessidade da mesma, ou na auto-medicação de alguém, teve forte impacto no porquê destes abusos. Vai-se culpar agora a substância? Não foi ela a ter um comportamento de risco, mas sim a pessoa que a tomou ou o tutor legal da pessoa em causa.

Resumindo e finalizando este ponto, apenas com uma expressão que já me foi referida várias vezes “o álcool faz pior que a Canábis, e é uma substância legal em Portugal!” O que me vem sempre à mente é sempre este pensamento: “o que esta pessoa não está a perceber que, primeiro, não é verdade que ácool e canábis sejam comparáveis, ambos tem efeitos positivos e negativos… dependendo da sua utilização” e, segundo, em que universo paralelo é que faz sentido alegar que, se no nosso país há algumas substâncias legalizadas que tem efeitos negativos, que fazem mal, porque não se pode legalizar uma outra que possa também fazer mal!!!!!!!” (?) Que tipo de argumento é este? Temos a oportunidade de desenvolver com os nossos filhos estilos de vida saudáveis, virados para a promoção de uma vida saudável e ativa, proactiva e edificadora do mundo, e qual é o argumento que sobra? Se há “coisas” más legalizadas, então não há motivos para não legalizar outra coisa que, para fins meramente recreativos, sem regulamentação, seria nefasto. Em que universo paralelo é que tal faz sentido?

Psicológicamente termino ainda com um simples exemplo de uma outra dimensão que a mim, como técnico de saúde e como pessoa me causa muita perplexidade. A maioria de nós não está preparada nem com vontade de escutar opiniões diferentes. Veja-se um programa televisivo em forma de debate: passaram duas horas e a impressão que fica é que os participantes no mesmo ficaram exactamente com a mesma opinião, senão mesmo mais vincada, como que iniciaram o debate. Isso não é discutir ideias, isso é impor minorias. Pois uma minoria, por berrar mais alto, não pode criar uma pretensa mordaça moral de temas e palavras que não podem ser usadas.

Talvez por tudo isso, as pessoas com quem mais goste de conversar, não como profissional, mas como ser humano, livre de pensamento, seja a minha filha e a nossa cachorra Laika (por mais que o nome pareça ser maioritariamente banal, como ainda esta semana me disseram; mas prefiro isso e chamar a Laika, que a partir do dia em que escolhemos o nome, tal ficou associado a ela como se do seu ser se tratasse, prefiro isso, dizia eu, do que escolher um nome com o qual não me identificasse. Ele há cães “Maria de Pires”, “Foxies”, “Leão”, “Joaquina”… mas a nossa é apenas Laika… sim, como um dos nomes mais utilizados maioritariamente por donos de animais de companhia… mas há uma diferença. É a nossa Laika, mais ninguém lhe dará outro nome e a tratará melhor do que a tratamos e é nessa liberdade que refiro, a liberdade psicológica tem um papel fundamental em lidar com a tirania de uma minoria que se considera moralmente e intelectualmente superior, mais esclarecida, não apenas como pessoa detentora de uma ideologia mas mais elevada na sua essência como indivíduo, em comparação com quem não faz parte dessa minoria (as referências são históricas e nem necessito explanar).

Ainda bem que, democraticamente, hoje estamos numa minoria, entre a minoria, eu a Daniela e a Laika!

Luis Maia

Luis Alberto Coelho Rebelo Maia é Licenciado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade do Minho, Mestre em Neurociências pela Faculdade de Medicina de Lisboa, Doutorado em Neuropsicologia pela Universidade de Salamanca, Especialista em Neuropsicologia e Psicobiologia pela Universidade de Salamanca e Pós-Doutorado em Ciências Médico-Legais pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar.
É docente universitário na Universidade da Beira Interior, no Departamento de Psicologia e Educação, onde lecciona nas áreas das neurociências, metodologias de avaliação e intervenção psicológica e psicologia do desporto.
É também terapeuta com consultório próprio na Cidade da Covilhã, onde exerce a sua função de neuropsicólogo e psicólogo clínico, abrangendo diversas áreas da avaliação e intervenção psicológica. Está registado na Ordem dos Psicólogos Portugueses, com Título de Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Especialista em Neuropsicologia.
Autor de mais de duas dezenas de livros, conta com alguns best sellers, nomeadamente as obras “Educar Sem Bater”, “E tudo Começa no Berço”, “A psicologia do verbo amar e o erradicar da negligência”, “Violência Doméstica e Crimes Sexuais”, e ainda “Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica”.
É ainda autor de centenas de artigos científicos publicados nacional e internacionalmente, tendo sido galardoado com cerca de uma dezena de prémios de mérito nacionais e internacionais pelos seus trabalhos e desempenho no campo da psicologia.

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