PUB


 

 

Um pouco de reverência não faz mal a ninguém

2018
pedrosampaiominassa@gmail.com
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Brasil)

A- A A+
Um pouco de reverência não faz mal a ninguém

Reverência não é submissão. Ao contrário, reverência é saber mostrar: respeito, cordialidade e educação. Geralmente, reverenciam-se deuses, reis ou santidades, e por que não reverenciar simplesmente o outro? Sim, um outro indivíduo qualquer? Não digo propriamente abaixar a cabeça ou ajoelhar-se num gesto de imenso respeito. Hoje, a reverência galga outro sentido, o de residir nas coisas mínimas, o que achei por bem denominar de Teoria da Reverência dos Atos Mínimos.

Qualquer um pode criar uma teoria, inclusive um qualquer. Deixemos que a ciência levante hipóteses, nós sugerimos teorias. A metodologia requer experiência, já a filosofia liga-se à essência. A teoria da reverência dos atos mínimos facilmente pode ser posta em prática. Para tanto, é preciso que os sentidos estejam atentos.

Reverenciar o outro é respeitar o santuário sagrado da vida do outro. É saber que aquele indivíduo que, por vezes, sequer conhecemos, não é um ser simples, mas sim uma complexidade de experiências e histórias que o tornam vivo. Comumente diz-se que as aparências enganam, porém o mais correto seria dizer que os nossos sentidos nos enganam. Olhamos invariavelmente a casca ao invés de respeitarmos o conteúdo. Assim, posso nunca ter visto uma determinada pessoa antes, mas desde já, a reverencio por sua história de vida até aqui, independentemente de conhecê-la plenamente.

A partir do momento em que começamos a olhar o outro com reverência, passamos a captar sua essência e transcender à sua aparência e assim fecha-se o ciclo teórico: quando o outro, também ciente, passa a olhar em nós um ser para reverenciar. A reverência é, pois, o gesto de respeito por excelência.

Bom, e por que atos mínimos? Pelos atos mínimos é que conseguimos expressar a reverência. Ato é qualquer atividade que se desempenha no mundo fático e mínimo é o suficiente, o nada mais que necessário, o que qualquer pessoa minimamente consegue fazer. Portanto, ato mínimo nada mais é que uma atividade que indistintamente podemos todos fazer. A reverência reside na transformação das atividades mínimas do dia-a-dia em gestos de respeito, cordialidade e educação.

Vamos a um exemplo prático a fim de aplicarmos o entendimento teórico: João entra no metro de fone de ouvido, com o som bem alto (quem olha não sabe se ele mexe a cabeça por causa do que ouve ou por causa do balanço do vagão) e se senta. Na estação seguinte, na qual duas das linhas mais movimentadas da cidade se comunicam, uma multidão entra e se aperta no vagão em que João está. Uma senhora de cerca de oitenta anos entra vagarosamente ao som do alarme de fechamento de portas, olha o entorno com um olhar esperançoso de que alguém a enxergue e ceda-lhe o lugar. João, na cadeira mais próxima à senhora, possui duas opções morais: (i) ou ignora o olhar da senhora e finge concentração na música, esperando que alguém tenha a prontidão que não teve, (ii) ou se levanta e oferece imediatamente o lugar.

Analisemos o desenvolvimento das duas hipóteses: (i) João ignora: ao fingir que não a vê, a senhora se abaixa e pede baixinho se ele pode lhe ceder o lugar, em contrapartida ele aumenta o volume e despista o olhar. A senhora, já cansada, consegue sentar num lugar mais distante, depois de sofrer para se equilibrar. João incrivelmente desceria na próxima estação, mas preferiu não dar atenção. Neste caso, a teoria da reverência dos atos mínimos não se aplicaria integralmente, não por não haver ato mínimo, porque este pressuposto até haveria, e sim por ausência da reverência de João, por dar voz ao cantor, ao invés do lugar e o respeito à senhora.

(ii) João imediatamente levanta e cede o lugar: a senhora abre um lindo sorriso e ao se sentar oferece a João uma das frutas que carregava consigo, pois havia acabado de sair da feira. João, sem hesitar, aceita a oferta por causa da fome, agradece e passadas três paragens, a senhora levanta-se para deixar o metro e diz ao jovem:

“- Este pêssego que lhe ofereci, meu jovem, fui eu quem plantei a árvore, regando-a durante trinta anos de minha vida e só agora começou a dar frutos. Hoje fui à feira vendê-los e não consegui um cêntimo sequer, valeu-me o dia, porém, só em ter compartilhado um deles, regados com a água de minha vida, contigo. Sem que eu lhe pedisse, cedestes o lugar a este pessegueiro velho aqui. Que sejas muito feliz e plantes muitos pêssegos de doação por onde for. O mundo precisa de gestos despretensiosos, não de jovens desrespeitosos. Obrigado, por ver-me e enxergando-me, por ouvir-me sem eu falar, por respeitar-me cedendo teu lugar. Meu querido, cedeste-me hoje um lugar neste vagão, para que muito em breve, seja eu a ceder definitivamente o meu lugar neste chão”.

Moral da prosa: um pouco de reverência não faz mal a ninguém. Ceda o teu lugar aos santuários de vida que encontrar e por onde for, afinal são eles que todos dias nos estão a ceder seus lugares, ao deixá-los vagos no vagão da vida. Desceremos, nós também, pouco a pouco, nas estações do tempo, conscientes de que o desembarque é para sempre, então por que não reverenciar os companheiros de viagem?

Pedro Sampaio Minassa

Pedro Sampaio Minassa é brasileiro, graduando (já finalista) em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo e cronista nos tempos livres. É colaborador de diversos portais e jornais, tais como o P3 (Público, Portugal), Portal DUO, Portal do Envehecimento, Crônicas da Editora KBR.

mais artigos de Pedro Sampaio Minassa