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Em busca das emoções perdidas... ou como não aceitarmos as nossas próprias emoções nos desliga de nós mesmos (e dos outros)

2016
ana.luisa.oliveira.msc@gmail.com
Psicóloga clínica
Publicado no Psicologia.pt a: 2016-10-30

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Em busca das emoções perdidas... ou como não aceitarmos as nossas próprias emoções nos desliga de nós mesmos (e dos outros)

Muitos dos nossos problemas, especialmente no que diz respeito às nossas relações e trabalho, estão relacionados com uma curiosa tendência para perdermos o contacto com as nossas próprias emoções.

Sendo elas uma parte integrante, constitutiva mesmo, de nós como pode isso acontecer? Como podemos não saber como nos estamos a sentir, se somos nós que o estamos a sentir? Em parte, porque vamos crescendo com a ideia de que determinadas emoções, bem como comportamentos, não são aceitáveis. Sabemos bem que a tradição nos diz que “os meninos não choram” e que “as meninas se devem comportar como senhoras”... Também com as emoções algo semelhante vai acontecendo: se em algumas famílias a expressão do afecto não é prática comum, noutras (ou nas mesmas) a zanga é o maior dos pecados e, por isso, não se pode falar dela e, muito menos, senti-la.

O que acontece é que vamos aprendendo a camuflar as emoções, especialmente as menos “aceitáveis”, como a zanga, a inveja, a frustração. Elas estão lá, existem em nós, mas, por inúmeras razões, acabamos por “contorná-las”, por passar por elas sem nos permitirmos efectivamente senti-las.

Nunca vos aconteceu? Têm a sensação de se permitirem sentir e receber as emoções à medida que elas aparecem? Ainda bem. Mas... e já alguma vez vos aconteceu sentirem-se plenamente tranquilos, relaxados no sofá, num bom momento de descontração e, de repente, sem aviso, e sem grande explicação, um qualquer comentário de alguém, uma atitude pouco significativa da pessoa que estava convosco, vos inundar de irritação ao ponto de acabar com a serenidade daquele momento? A reacção terá sido proporcional à acção da outra pessoa? Se não... por que terá acontecido? Será que houve um acumular de situações em que dissemos “Sinto-me cansado” quando o que estava em nós era um “Sinto que me desiludiste”, ou em que verbalizámos “Estou triste” quando, lá dentro, o nosso Eu emocional grita “Estou furioso”?

É difícil admitirmos para nós próprios que acontecimentos pouco significativos, triviais, do mundo exterior possam ter um impacto tão incrivelmente intenso no nosso mundo interior. Por vezes, sentimo-nos magoados mas não dizemos nada porque isso nos colocaria numa situação de quase humilhação (quanto mais não seja, para connosco próprios) por estarmos a sentir algo que não é suposto sentir-se. Muitas vezes acabamos por cair na armadilha de expressarmos algo que tem mais de aceitável do que propriamente de verdadeiro, de genuíno. Contudo, os sentimentos aos quais não demos ainda atenção não vão, nem conseguem ir, embora. São como conhecidos ou familiares que não queremos convidar para as nossas festas mas que se demoram, se deixam ficar, e se vão alimentando da energia dos restantes convidados.

Ana Luísa de Castro Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

Ana Luísa de Castro Oliveira

Ana Luísa de Castro Oliveira é Psicóloga, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde. É Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses, e Membro Associado da Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva (APTCC). É Licenciada em Psicologia e Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade de Évora, tendo realizado também Pós-Graduação em Psicologia Comunitária e Protecção de Menores, no ISCTE-IUL, e em Psicoterapia, na APTCC.
Desenvolveu atividade clínica com crianças, adolescentes e adultos no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital do Espírito Santo (Évora), onde integrou também a Equipa de Saúde Mental Infantil. Paralelamente à actividade clínica em contexto privado, dinamizou atividades de promoção de competências pessoais e sociais com crianças e jovens em risco, bem como apoio psicossocial às suas famílias, no Bairro da Quinta do Loureiro, em Lisboa.
Integrou uma equipa multidisciplinar de intervenção comunitária no concelho do Seixal, onde realizou diversas atividades de promoção de competências pessoais e sociais com crianças e jovens em risco de exclusão, atividades de promoção e apoio à empregabilidade, sessões de acompanhamento psicológico individuais e de aconselhamento parental com famílias em situação de vulnerabilidade.
Atualmente exerce clínica privada com adultos em Lisboa e Almada, e é Bolseira de Investigação no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Desde Março de 2016 que integra a Equipa da ClaraMente - Serviços de Psicologia Clínica e Psicoterapia, que, através dos seus serviços em consultório, domicílio e via online, tem como objectivo promover a saúde mental e a qualidade de vida de jovens, adultos e séniores.

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