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Breve reflexão sobre consciência e as suas alterações ao nível do pensar e do agir

2017
andradesofia958@gmail.com
Mestre em Psicologia Clínica e de Aconselhamento. Formadora certificada pelo IEFP

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Breve reflexão sobre consciência e as suas alterações ao nível do pensar e do agir

Afinal o que é a consciência? Esta questão tem sido estudada e investigada por muitos autores em psicologia. A “descoberta” da consciência e a sua influência no comportamento humano e toda a sua complexidade, faz-nos ter a perceção de que existimos, que temos um lugar na sociedade em que vivemos, sendo algo fundamental para a compreensão mais profunda do Eu.

É necessária uma reflexão contínua e séria dessa mesma realidade que é a existência de um Eu pensante, que sabe que existe e traz a si a sua própria vivência e também a apreensão da vivência daquilo que o rodeia.

Para que se dê a consciencialização do Eu, é imprescindível o pensamento, a racionalidade humana, pois em princípio, os seres irracionais (animais) não terão essa mesma consciência. Toda esta perspetiva Consciência/Eu será analisada.

Todo o conhecimento é uma relação entre o sujeito que quer conhecer (S) e o objeto a ser conhecido (O).

Quero com isto dizer, que temos o “Eu” (pensante) X “O mundo” (a ser pensado). A consciência do indivíduo pode centrar-se no próprio sujeito, como a interioridade ou pode, centrar-se sobre os objetos exteriores, como a alteridade (o outro que não eu). Assim, o processo de conscientização apresenta duas dimensões vinculadas com o ideal falar/ouvir: Eu, interioridade X o outro, o objeto, a alteridade.

Por um lado, existe a consciência de si que exige reflexão, neste sentido o indivíduo atinge a interioridade que se manifesta no processo de falar, criar, afirmar, etc.

É evidente que não podemos estar presos apenas a esta dimensão, pois isto iria gerar a deformação da consciência. Então, além da consciência de si, existe, por outro lado, a consciência do outro que exige atenção. Esta atenção é alcançada através do processo de escuta, absorção. Podemos representar esta relação da seguinte maneira:

 

Eu ..................... Mundo

sujeito  x  objeto

consciência e a consciência de si ............ do outro

interioridade  x  exterioridade

 

Podemos afirmar, que o pensamento é o veículo de consciencialização do homem, como avaliador da realidade. Neste sentido, o avaliador só poderá ser plenamente desenvolvido se tiver em mente não apenas a consciência de si, que envolve a interioridade, mas também a consciência do outro, que envolve a exterioridade. De facto, chamamos de consciência crítica o crescimento harmonioso entre estas duas dimensões da consciência: a reflexão sobre si próprio e a atenção sobre o mundo (falar e ouvir).

Quando apenas, uma das dimensões progride, há uma deformação, há um abalo na consciência crítica. É neste sentido, que devemos encarar o processo de consciencialização como dialética que se move do “eu” para o “mundo” e do “mundo” para o “eu”: do falar para o ouvir e do ouvir para o falar. O crescimento unilateral de qualquer das dimensões acima referidas, gera a falta de consciência crítica. Assim, o crescimento da consciência do outro conduz à perda da identidade; conduz à alienação (alienare = dar ao outro) e consequentemente, o crescimento da consciência de si que conduz ao isolamento e gera o labirinto narcisista.

Desta forma, faço uma reflexão sobre a consciência do Eu, e convido o leitor a refletir sobre este assunto, como conceito que abrange o psíquico e o somático, apresentando-se em quatro características formais:

1 - Sentimento de atividade: consciência da ação, “quando penso, sou eu que penso, as ideias ocorrem-me”. Neste sentido, surgem alterações ao nível:

- Consciência da existência: “ sinto-me sem nome, impessoal, olhar rígido como o de um cadáver, o espírito vago e geral, como o nada absoluto. Estou a pairar, sou como se não fosse” (despersonalização).

- Consciência de execução: pensamentos feitos (não é dele, não sabe porque o pensou), fugas ou subtrações (quando quer pensar em algo “puxa” pelo pensamento), insuflação (as ideias surgem-me involuntariamente quando necessito, não são minhas), ações voluntárias influenciadas (não fazem o que querem, sofrem influências externas, sensação de que as coisas são feitas e não sou eu que as faço). Ocorre com muita frequência na esquizofrenia e é também conhecida como “vivência de influências”.

2 - Consciência de unidade: “sou um só num mesmo momento”. Nas alterações o “Eu” é dividido, mas as duas partes estão presentes simultaneamente, ao contrário do transtorno de personalidades múltiplas, onde são alternadas. Exemplo: Padre/Diabo  num mesmo paciente, as duas partes entram em constantes conflitos. Ocorre frequentemente na esquizofrenia, manifestando-se através da “dupla orientação”, sendo o paciente ao mesmo tempo Jesus e João da Silva.

3 - Consciência de identidade: “sou o mesmo que antes”. Na alteração o paciente divide o seu “Eu” no curso temporal. Exemplo: “não sou o mesmo que era até 12 de Dezembro de 1950, aquele "Eu" parece agora um anão dentro de mim”, o paciente não se refere ao “anão” em 1a pessoa, mas sim em 3a pessoa.

4 - Consciência do eu em oposição ao mundo exterior e aos outros: também conhecida como consciência de oposição Eu/Mundo, é a separação clara entre o “Eu” e o “Mundo”. Nas alterações o paciente incorpora objetos ou pessoas “mais fortes”, por exemplo, no seu “Eu”. Ele tem a sensação de que todos conhecem os seus pensamentos.

Quanto ao conceito de Orientação,  consideramos que é  um estado psíquico funcional em virtude do qual temos a plena consciência, em cada momento da nossa vida, da situação real em que nos encontramos. A orientação depende da integridade física e do estado de consciência, uma vez perturbada esta consciência, altera-se a orientação.

Quero com isto dizer, que a orientação mobiliza fatores que cooperam para a sua eficácia funcional e que envolvem o exercício de certas operações mentais, muito mais complexas do que aquelas que conhecemos.

 

É através da entrevista com o paciente que conseguimos distinguir a orientação autopsíquica da orientação alopsíquica. Pode-se dizer que o paciente está bem orientado quanto à noção do Eu, quando ele próprio fornece dados da sua identificação pessoal, revelando quem é, como se chama, que idade tem, etc. Este atributo de consciência lúcida chama-se Orientação Autopsíquica.

Desta forma, a pessoa psicologicamente normal deve ter noção da sua situação a qualquer momento, deve saber perfeitamente onde se encontra e qual a sua situação em relação ao ambiente. A consciência humana deve ser plena e absolutamente lúcida para que se estabeleçam ligações eficazes entre o momento presente e o passado, estabelecendo-se assim, a noção exata do tempo ou época em que nos encontramos.

Chama-se de Orientação Alopsíquica a orientação da pessoa em relação ao espaço e ao tempo. A orientação no espaço e no tempo depende estritamente da perceção, da memória e do contínuo processamento psíquico dos acontecimentos. A orientação global da pessoa não representa uma função psíquica isolada, mas sim o reflexo de outras funções, como é o caso da perceção sensória, da atenção, da memória, dos conceitos, do juízo e do raciocínio.

Para concluir, e da experiência adquirida em contexto clínico, considero que o veículo de conscientização é o pensar, surgindo assim a consciência como função mais importante da mente. É ela que nos permite tomar ciência de nós mesmos e do mundo. É nela que acontece tudo aquilo do qual eu tomo conhecimento imediato. É nela também que acontecem todas as funções mentais, à exclusão da memória, da intuição e da psicomotricidade, que acontecem fora da consciência.

Segundo Descartes: “sou uma coisa que pensa, isto é, que dúvida, que afirma, que nega, (...), que ignora muitas coisas, (...), que também imagina e sente”.

 

Sofia Andrade

Sofia Alexandra de Jesus Andrade é psicóloga, especialista em Psicologia Clínica e de Aconselhamento. É Membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses, e Membro Associado do MDM. É também membro de uma IPSS em Lisboa. É licenciada em Psicologia e Mestre em Psicologia Clínica e de Aconselhamento pela Universidade Autónoma de Lisboa, tendo realizado um mestrado via profissionalizante na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens do Seixal, onde adquiriu competências pessoais e sociais com crianças e jovens em risco, onde atualmente trabalha. Realizou também um estágio de Licenciatura no Gabinete de Saúde Ocupacional da Câmara Municipal do Seixal, tendo desenvolvido um estudo sobre o levantamento do Absentismo Prolongado dos trabalhadores, bem como consultas de desabituação tabágica. Para além de ser formadora certificada pelo IEFP, e apoiar várias causas sociais, é participante ativa em causas voluntárias. Atualmente dedica-se também à escrita sendo autora do livro intitulado: “Crianças e Jovens em Perigo. Estudo de Casos Clínicos. 2.ª edição”, pelas Edições Vieira da Silva.

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