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SER in TOTUM: uma visão psicossomática do cancro

2014
margaridaoliveir@gmail.com
Psicóloga clínica. Mestre em Saúde Mental. Psiconeuroacupuntora

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SER in TOTUM: uma visão psicossomática do cancro

 

“A morte não é a maior perda da vida,

a maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos …”

 

Pablo Picasso

 

Poucas doenças demonstram ser tão dependentes de uma etiologia multifatorial como o cancro. O tripé homeostático do ser humano centra-se em três sistemas: nervoso, endócrino e imunitário, sendo que cada um depende e influência os restantes (Mello Filho, 1984). Daí ser reducionista considerar apenas, que a história de um cancro se segue a uma situação de perda ou de stress negativo, no entanto, hoje sabemos que o sistema imunitário funciona como um mediador das relações do indivíduo consigo próprio e com o meio externo, e se o cancro é uma doença vinculada à pessoa interna e integral, “ele” deve ser o reflexo das suas relações internas, pessoais, familiares e sociais.

Mergulhemos então neste enlace de pensamentos!

Uma criança até aos dois anos aproximadamente, conhece-se a si, através da mãe! Não está de maneira nenhuma individualizada, ela é a mãe ou uma parte desta. Para se reconhecer, como Ser individual que é, necessita de passar por um período de tempo recheado de experiências que lhe permitam começar a conhecer-se, para se individualizar e autonomizar totalmente ao longo dos próximos anos da sua vida. Isso significa que reconhecer implica sempre um conhecimento prévio de si e do outro, e, um reconhecimento externo obriga necessariamente ao conhecimento anterior do “Eu”. Sem a criação do “Eu” o “Não Eu” é inexistente, uma vez que o “Eu” implica sempre o “Não Eu”.

Internamente, a nível bioquímico passasse exatamente o mesmo, podemos dizer que o sistema imunitário também reconhece o que não faz parte do “Eu”. Em imunologia, a identificação do “Não Eu” é seguida por um processo de destruição e eliminação, por exemplo, a atividade das células killer (NK), exige uma experiência de conhecimento total do seu sistema (“Eu”), para posteriormente e paralelamente reconhecer o “Não Eu” (vírus, células tumorais, etc). Logo o sistema imunitário evoluiu para a sua função atual através do reconhecimento e da separação entre o “Eu”, que me pertence e faz parte de mim, e o “Não Eu”, que não me pertence e portanto, deve ser destruído e eliminado. Durante o seu desenvolvimento, o organismo reconhece constantemente o que é seu (“Eu”), e destrói tudo o que é “Não Eu”. É este reconhecimento de si, a nível biológico, que mantem a homeostasia que nos permite ser saudáveis.

Não obstante, em alguma altura da nossa vida, uma situação gatilho, pode levar a uma leitura modificada ou alterada, e o organismo reconhece o “Não Eu” como “Eu”. Normalmente, quando se produz um bloqueio ou inibição da capacidade do “Eu” em reconhecer o “Não Eu” surge a doença, resultante de uma inibição imunológica, que pode ser interpretada como uma resposta adaptativa, onde o “Não Eu” passa a fazer parte integrante do “Eu”.

Logo o cancro, antes de o ser, teve de ser aceite e reconhecido pelo organismo, como “Eu”!

Uma parte do de mim, num certo tempo e espaço muito concretos, aceitou7escolheu que algo externo se acoplasse, infiltrasse, e passasse a fazer parte de mim, desvirtuando-me, anulando-me, alterando-me, fragmentando-me!

Esta situação gatilho, nesta perspetiva, deve-se a um stress psíquico, e Mason nos seus inúmeros estudos, refere sempre a iniludível dependência do stress humano das emoções nos processos oncológicos, onde todas as células anormais são reconhecidas como “Não Eu” pelo nosso sistema imunitário e destruídas e eliminadas, mas, a dado momento neste processo de reconhecimento do “Não Eu”, o organismo aceita e reconhece como integrante do seu “Eu” a célula tumoral. Portanto o “Não Eu” integrou-se no “Eu”. Por isso, não provocará reações imunológicas ou orgânicas, pelo menos durante 4/5 partes da sua vida. Agora, as células tumorais, poderão crescer, reproduzir-se e cumprir a sua função, acabar com a homeostasia, pois ao contrário das células normais, as tumorais são imortais, sendo a sua reprodução praticamente infinita.

Sabemos que o stress aumenta os níveis de hormonas corticosteroides, surgindo assim na proporção inversa da eficácia necessária para os mecanismos de coping. A tensão, a ansiedade e a irritabilidade aumentam a adrenalina. O stress a longo prazo, sem capacidade de expressão externa, pode servir de efeito estimulador no desenvolvimento do cancro. Em 1984, Linn ao estudar parâmetros imunológicos em indivíduos deprimidos, concluiu que a sua função imune estava diminuída ou apresentava padrões incompetentes, para além de ter demonstrado que a solidão suprime ou reduz as células killer e a desesperança aumenta as recidivas de cancro. Em 1988, Reed e Jacobsen, num artigo intitulado “Emotions and cancer: new perspectives on an old question” colocaram a seguinte questão: de que modo os estados psicológicos afetam a transformação das células normais em malignas?

Afinal, que raio andamos nós a fazer-nos dia após dia?

Se uma criança faz este reconhecimento? Se o nosso corpo faz este reconhecimento? Porque é que como seres dotados de um cérebro triuno, não reconhemos o “Eu” do “Não Eu” em cada momento da nossa vida?

Porque nos expomos e até procuramos situações que nos provocam dor e sofrimento? Porque insistimos percorrer um caminho que não é o nosso? Porque abdicamos conscientemente da nossa individualidade e autonomia em prol do outro ou do medo de perder o outro, se ele não faz parte de nós? Porque anulamos a nossa intuição pela racionalidade das coisas? Porque nos privamos de sentir verdadeiramente?

Para a Psicossomática, qualquer tipo de conflito/resistência interna ou externa é uma autoagressão, o movimento de colocarmos em nós a responsabilidade pelos factos da nossa vida é pesado, mas fundamental, mas nem todos estamos dispostos a escutar verdades iconoclastas. Preferimos aniquilar tempos de profunda auto-observação e espessa auto-reflexão! É o princípio do fim!

Todas as tecnologias médicas e cirúrgicas são importantes e fundamentais para o doente oncológico, mas quando não existe uma intervenção psicológica adequada para alterar o que provocou esta falha no reconhecimento…será apenas uma questão de tempo para o paciente voltar à sua normalidade, que não é mais, que voltar aquilo que o deixou doente.

As respostas psicológicas são individuais e pessoais, mas a mudança está no dia-a-dia de todos nós!

 

Bibliografia

Linn, M. e col (1984). Stressful events, dysphonic mood and imune responsiveness. In Psychol. Rep. Nº 54.

Mello Filho, J. (1984). Psicoimunologia. Conferência pronunciada no IV Congresso Brasileiro de Medicina Psicossomática, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Mason, J. (1959). Psychological influences on the pituitary-adrenal cortical system. Rec. Prog. Norm Res. Nº 15.

Reed, W. e Jacobsen, P. (1988). Emotions and cancer: new perspectives on an old question. In Cancer, vol 62.