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Interpretações selvagens do autismo em Psicanálise

2014
matheushssilva@hotmail.com
Psicólogo pela Faculdade Pitágoras de Ipatinga - MG. Especializando em Clínica Psicanalítica na atualidade: construções de Freud e Lacan pela PUC - MG. Professor de Psicologia aplicada à enfermagem nível técnico no CERP – MG - J. Monlevade. Clínico em consultório particular - MedCenter Hospital Dia

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Interpretações selvagens do autismo em Psicanálise

 

Em De Que Pathos se Trata no Autismo? Fischer aponta inicialmente para o desafio de se fazer clínica no autismo. A criança torna-se um grande sintoma do outro, sintoma de si mesmo, sintoma do analista e sobretudo um grande arcabouço de estereótipos e estigmas. O grande problema sao as grandes controvérsias teóricas à este ponto. Perceberemos até mesmo este em torno teórico na própria psicanálise. O saber fazer cínico está diretamente ligado à tentativa de dar entrada ao lugar do Outro, o que parece ser um grande problema ao autista. Certamente uma clínica que comporte pequenas brechas, e que às bordas do discurso consiga estabelecer um laço. Que é em última instancia o objetivo psicanalítico – fazer laços.

Um dos problemas apresentados é a capacidade construtiva do eu e a introdução no campo simbólico da linguagem, uma relação que efemeramente ocorre entre mãe e filho.  Utilizando a proposta de Fischer, pensemos em maneiras pelas quais esta reflexão circula na psicanálise.

A Privação de energia libidinosa é a principal aposta que Bettelheim (1987), que aponta para uma falha nas experiências primeiras, fase oral, o que impede que a libido se direcione à este campo.  Winnicot apresenta também que é nestes primeiros momentos de vida, numa relação entre mae e bebe, que se estabelece uma falha que denomina ‘fundamental’, este percurso  causaria uma disjunção do sujeito e uma separação abrupta entre psique e soma, o que geraria uma ansiedade Já para os autores Kleinianos há uma problematização na projeção do sujeito ao mundo externo, isto teria consequências devastadoras no sujeito que se fixa em sua própria estrutura. Aos já lacanianos instauram uma problematização de duas vias. Uma primeira através da falha na construção do corpo próprio e uma segunda referente aos falhos caminhos do circuito pulsional do sujeito. Ficando assim, a criança, fora do campo da significação. A relação Corpo Real, imaginário e significação simbólica ficam inertes à criança. (Fischer De Que Pathos se Trata no Autismo? – s.n.)

Percebemos no texto que Fischer, aponta na psicanálise lacaniana exatamente este lugar de uma dificuldade de construção do sujeito. O desvio falho na construção de laços entre pai e filho é uma grande ponte para o não estabelecimento de representantes linguísticos simbolizados ao eu. O fator chamado patológico estaria em torno de um circulo pulsional que até mesmo através desta defasagem construtiva do esquema do SNC atingem sua ruptura à formação libidinal com o outro, tornando sempre um ciclo vicioso, fazendo com que esta reflexão seja básica à todos os autores citados.

O estabelecimento da clínica é a grande dificuldade que nos circula. A não significação e a ausência do nome próprio ao ser, são fatores que fazem com que não haja uma demanda específica, diferenciando então a reflexão de desejo. A criança torna-se responsável pela sua indiferença ao Outro e é, na clínica, convocada a tocar neste ponto. Este sem dúvida é o maior ponto cuja psicanálise se preocupa.  Quando a autora propõe pensar este Pathos, ela entra em um caminho perverso que é o de tentar nomear aquilo cujo próprio conteúdo é sem nome.  A autora então afirma-nos que o pathos autista passa por um  “sofrimento de não ter corpo, não ter imagem, não ter ancoragem no mundo...uma experiência extrema de solidão” (Fischer s/n)

Após a apresentação destas construções Fischer nos faz pensar como é exatamente este fazer psicanalítico. Ou ainda, como é a aposta que faz a psicanálise para enlaçar o sujeito sem laço, construir um símbolo sem a linguagem. Conta-nos o caso do paciente de 10 anos que em uma escola normal, acompanha os alunos na alfabetização, porém a leitura e a construção de palavras torna-se o problema – de fato o é ao autismo. Apresenta detalhes clínicos interessantes, porém, o que mais nos chama a atenção ao posicionar a psicanálise aos ganhos clínicos, é quando ao desenhar personagens da Disney, a analista escreve a palavra AMIGOS e a paciente escreve MUES. Lembra-nos Fischer, que inicialmente pode nao parecer haver uma lógica de construção, porém a aposta clínica percebida pela analista foi que esta palavra – MUES – organizada torna-se MEUS, o que formaria uma sentença de inclusão do eu à criança, Meus Amigos. 

Sabe-se, como citado acima, a construção da própria imagem, e a obtenção de uma sentença linguística à formação simbólica parece-nos distante ao autista. Porém a aposta clínica neste caso foi a de dar sustentação e aposta à esta falha, em que, a partir de um anagrama – MUES – se percebe a tentativa de passar a estar inclusa no jogo do Outro.  Esta é a aposta da psicanálise.

Vamos ressaltar uma Psicanalista francesa que muito se debruçou sobre a psicanálise com crianças sobretudo o autismo, a que ela nomeia como retardamento. Em sua obra A Criança Retardada e Sua Mae, Maud Mannoni (1999) traz-nos à questão da criança em relação com sua mae. Esta relação mãe/ criança, parece ser o principal método de pensamento da invasão do sintoma débil na criança. Afirma-nos: 

O que é para a mãe o nascimento de um filho? Na medida em que aquilo que deseja no discurso da gravidez é, antes de mais nada a recompensa ou a recuperação de sua própria infância, o nascimento de u filho ocupará o lugar de seus sonhos perdidos, um sonho responsável por preencher o que ficou vazio no seu próprio passado. Uma imagem fantasmática que se sobrepõe à imagem ‘real’ do filho.  MANNONI ( 1999. p.5)

 Ainda localiza-nos teoricamente que:  

A que ponto a criança retardada e sua mãe formam um só corpo. Confundindo-se ao outro, que os dois pretendem viver uma única história. Essa história tem por suporte no plano fantasmático, esse corpo adquiriu, por assim dizer, ferimentos idênticos que por uma marca tornaram-se significantes. MANNONI (1999 p.49)

 Mannoni (1999) mostra-nos claramente como a relação entre a criança e sua mãe é uma relação de “não faltar a falta ”ou seja uma introjeção completamente vazia da criança em um espaço inerte da mae. A criança torna-se não só o falo da mãe, mas também o sintoma, uma vez que é neste caminho sintomático que a criança se vê inclusa em um voo que é da mãe, e não dela.  Há na  nesta obra de Mannoni (1999) uma gama de reflexões, todavia indiferente de qualquer meio de problematizar ou justificar a patologia do “débil”, se deve compreender que a teoria psicanalítica não busca responsabilizar a mãe pelo sintoma, que é um sintoma dela em sua relação com sua mãe, mas sim responsabilizar o sujeito criança pela condução de sua análise que encontrará meios de fazer surgir algo de sí. MANNONI (1999 p. 57-59)

 

Referências Bibliográficas

MANNONI, Maud. A Criança Retardada e Sua Mãe. 5ed. Sao Paulo. Martins Fontes editora. 1999

MARIZA, Leda Fischer Bernardino. De que pathos se trata no autismo?.

Disponível em: 

http://www.psicopatologiafundamental.org/uploads/files/ii_congresso_internacional/mesas_redondas/ii_con._de_que_pathos_se_trata_no_autismo.pdf

Acessado em 27/09/2014 as 20h.